Título no Brasil: O Livro das Coisas Perdidas;
Quem escreveu? John Connolly;
Editora: Bertrand Brasil (selo do Grupo Record);
Tradução: Cecília Prada;
Número de Páginas: 364;
Gênero: Fantasia, Infanto-Juvenil;
Nota (de 0 a 5): 5.
Namorei tanto um exemplar de O Livro das Coisas Perdidas da livraria
pertinho da minha casa que, finalmente, há um mês, o comprei. Era sempre
clássico eu pegar um dos que estavam na estante, olhar carinhosamente, mas
nunca levar – sempre acabar preferindo por outro. Eu estava com exatamente
vinte e oito reais e oitenta centavos quando fui, enfim, numa terça-feira,
vindo da faculdade, até a livraria para comprar esse livro. Eu havia visto o
preço um dia antes, e tinha certeza que era aquela a quantidade exata de reais
que ele iria me custar. Foi só quando cheguei ao caixa e a moça anunciou que o
preço era vinte e oito reais e oitenta e cinco
centavos que eu me espantei.
– Mas moça... São só cinco centavos... –
Fiz a minha melhor cara de Gato-de-Botas. Ela sorriu docemente e disse que iria
cobrir os cinco centavos que faltavam.
O
Livro das Coisas Perdidas
conta a história de David, um garotinho inglês que, após perder a amada mãe
(mesmo com todos os inocentes esforços feitos para tentar mantê-la viva),
começa a estranhamente ouvir seus livros conversando entre si. É quase ao mesmo
tempo que uma criatura estranha, um Homem Torto esquisito, começa a aparecer em
seus sonhos e logo em realidade, e David acaba indo parar, na noite de um
atentado, no estranho mundo desse Homem Torto. É quando David começa uma
jornada perigosa, impetuosa e por vezes até sanguinária para alcançar seu
objetivo: voltar para a Inglaterra, para seu mundo. Local de onde não deveria
ter saído jamais.
O livro de John Connolly tornou-se um dos
meus livros favoritos de todos os tempos por um motivo simples: escorre
fantasia. Há uma grande leva de livros de Fantasia nos dias de hoje, mas
poucos, muito poucos, conservam aquelas raízes clássicas da literatura
fantástica que tanto amamos. Não é realmente tão fácil encontrar escritas e
enredos com uma qualidade tão grande como tanto vimos outrora em C. S. Lewis,
Anne Rice, J. K. Rowling e J. R. R. Tolkien, e eu pensava que não encontraria
mais algo tão magnífico e bom quanto esses autores. Até ler John Connolly.
Connolly recupera as velhas raízes da
literatura fantástica de uma forma incrível, retratando uma perfeita
linearidade nos acontecimentos com o protagonista: uma perda intensa, uma
realidade de confusão, a fuga, o descobrimento de um novo universo fantasioso,
as provações e, enfim, o amadurecimento do personagem. A forma com que essa
linearidade é descrita é simplesmente cativante, tudo sendo feito com uma
interatividade absurdamente contagiante, fazendo com que a clássica ideia do
leitor se sentir na história realmente aconteça. O universo real e o universo
fantasioso de Connolly são igualmente palpáveis e perfeitamente bem criados e
organizados, ricamente detalhados com uma parcimônia, sem exageros,
encantadora. É um livro onde tudo pode se encontrar, mas sem fazer o leitor
sentir-se pesado pela quantidade de informações colocada ao longo das páginas.
É muito óbvio que John Connolly trabalhou
neste livro com uma sutileza e um cuidado muito grande, pois é tudo muito bem
organizado e interligado, além de tudo muito, em questão de enredo, fluido. O
enredo escorre como um rio sem empecilhos, calmo, intenso e sem de forma alguma
travar. Ler O Livro das Coisas Perdidas
é sentar para ler uma leitura relaxante e se divertir com ela. Os personagens
são todos incríveis, sejam os com menos aparição, sejam os protagonistas, e
algo que realmente me surpreendeu muito no livro foi a questão da vilania. Há
dois grandes vilões em O Livro das Coisas
Perdidas, além de outros também assustadores vilões: o Homem Torto e Leroi.
Toda a maldade e crueldade do livro gira em torno desses personagens, e é
exatamente aquilo que você pode chamar de real vilania. São vilões absurdamente
cruéis, inescrupulosos, e o que esses personagens fazem acaba por manter e
intensificar toda a tensão do enredo. Aliás, esse é um ponto que precisa ser
enunciado sobre O Livro das Coisas
Perdidas: é um livro que, apesar de fluido e relaxante, também é
incrivelmente medonho, cruel e arrepiante. Existe real vilania nesse livro, e
não só na questão de acontecimentos e dos vilões em si, mas também em pensamentos
e índoles, e também na situação toda que envolve o próprio David. Houve
momentos em que realmente fiz cara feia para as páginas do livro, e realmente
houveram momentos em que me arrepiei e me assustei com o que li.
Entretanto, ao mesmo tempo que existe
real e cruel vilania, também contém real e magnífico heroísmo. Nesse quesito,
Rolando (meu personagem favorito) e O Lenhador se encaixam perfeitamente como
exemplos: homens exemplares, brilhantes e corajosos, verdadeiros exemplos,
mantém o equilíbrio do enredo por pesarem no lado da bondade e magnificência da
balança. São personagens trabalhados com uma maestria incrível, que esbanjam
empatia e importância no enredo; são partes importantíssimas para o
amadurecimento do personagem David, assim, é claro, como os vilões também.
É o grande trunfo do livro, na verdade: o
aprendizado incessante de David. O Livro
das Coisas Perdidas é uma grande e grandiosa alegoria sobre o
amadurecimento de uma criança. David, que entra perdido, triste, amargurado e
assustado num mundo cruel e fantasioso, aprende acontecimento após
acontecimento, dia após dia naquele lugar, e sua mudança e crescimento podem
realmente ser notados pelo leitor. Os aprendizados que David recebe ao longo do
livro são inúmeros, assim como as questões trabalhadas no enredo: questões
históricas (entender uma guerra, já que o livro se passa no período da Primeira
Guerra Mundial), questões familiares (a perda de um ente querido; aceitação de
uma nova família), questões sociais (aqui eu realmente poderia citar várias,
mas uma me surpreendeu tão enormemente que é a que merece destaque: a
homoafetividade – abordada da forma mais sensível, doce, gentil, poética e
edificante que eu já li) se misturam em meio à fantasia, que é o que faz O Livro das Coisas Perdidas um livro
único por, como até mesmo o Daily Express
comentou, intrinsecar o real e o fantasioso de uma forma sensata, surpreendente
e admirável.
E em termos de escrita: é
impecável. Simples e riquíssima, com um vocabulário encantador e um lirismo
hipnotizante, não há como não se apaixonar pela escrita de Connolly. Ela
lembrou-me a escrita de C. S. Lewis, tão completa e mágica quanto. Connolly se
tornou um dos meus autores favoritos da vida, e com certeza procurarei mais
coisas do autor, publicado no Brasil pela Bertrand Brasil, selo da editora
Record. Editora, aliás, a qual ando admirando muito e me apaixonando pelo
catálogo. O trabalho técnico feito com O
Livro das Coisas Perdidas é incrível: tradução, revisão, impressão,
diagramação – maravilhoso. Tudo maravilhoso.
O Livro das Coisas Perdidas é um livro de
fantasia que realmente ficou marcado na minha memória, e do mesmo para sempre
vou não só lembrar, mas também indicar. É um livro que merece ser lido pelo
mundo inteiro, um livro que merece virar um best-seller e que também merece ser
tombado como um clássico da Fantasia. Se você ainda não leu, dê uma chance para
essa viagem mágica de John Connolly. Realmente vale a pena conferir!
Já leu o livro? Ainda não? Discorda de
alguma coisa, concorda, tem algo a acrescentar? Deixe suas opiniões nos
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