Título no Brasil: O Chamado do Cuco;
Quem escreveu? Robert Galbraith (pseudônimo de J. K. Rowling);
Editora: Rocco;
Tradução: Ryta Vinagre;
Gênero: Ficção Policial;
Nota (de 0 a 5): 5.


Não
fui apenas eu quem teve a agradável surpresa de que um recente livro policial
com razoável sucesso na Inglaterra havia sido escrito por ninguém mais, ninguém
menos que J. K. Rowling, sob um pseudônimo vago e comum. A autora do maior
fenômeno literário da história da Literatura Infantil, Harry Potter, havia agido soturnamente, mas acabou que sua obra
policial tornou-se um fenômeno de vendas assim que seu nome começou a ser
atrelado a ela oficialmente – e, bem, será assim com tudo que essa mulher se
atreva a escrever agora. É claro que fiquei interessado, ora essa: Rowling foi
a mulher que descaradamente me empurrou e afogou no amor pela Literatura, e,
após a leitura de seu primeiro livro para crescidos
(já que “Literatura Adulta” hoje em dia não tem uma conotação muito ortodoxa), Morte Súbita, eu tinha certeza de que
essa doce britânica poderia escrever absolutamente tudo o que quisesse. Mas
ainda assim a notícia e primícias de O
Chamado do Cuco me atordoavam um tantinho: literatura policial? J. K.
Rowling? Um novo herói detetive? Aquilo me deixava um tantinho inseguro, e,
curiosamente igual a seu primeiro livro para adultos lançado, demorei quase um
ano após sua publicação no Brasil para tê-lo em mãos e lê-lo.
E
digo: não me arrependo nem um tiquinho de finalmente ter mergulhado nesta
incrível história.
Cormoran
Strike se trata de um falido detetive particular que, quase num golpe de sorte,
é contratado por um cabisbaixo e nervoso homem chamado John Bristow, o qual
recruta seus serviços para o assunto o qual notavelmente o perturba: o
assassinato de Lula Landry, a incrível, admirável e esplendorosa modelo que
três meses antes estampara todo tipo de mídia por conta de seu trágico “suicídio”,
quando caiu do alto de sua sacada no terceiro andar de uma construção de luxo. A
investigação, agora silenciosamente sob os olhos de Cormoran Strike e sua
naturalmente habilidosa e inteligente secretária Robin Ellacott, toma absurdos
e intrínsecos caminhos ao longo de uma investigação minuciosa, que revira o
passado da supermodelo e daqueles que lhe eram próximos até um desfecho
visceral, marcante e acachapante.
O
leitor pode sentir-se um pouco incomodado no início da leitura de O Chamado do Cuco – eu entendo aqueles
que reclamam que mal conseguiram passar da página cinquenta. O negócio pode
realmente ser um pouquinho cansativo: pessoalmente, até mais ou menos a página
cem eu olhava com olhos sonolentos e um estado de espírito entediado para
aquelas páginas. Elas podem ser um tanto tediosas por serem o início
engatinhador do enredo: as sutis primeiras verdades, opiniões, e as rasas
primeiras percepções jogadas para o leitor; peças soltas, depoimentos
interessantes, porém aparentemente vagos, que só a partir de mais ou menos um
quarto da leitura feita começam a perturbar o leitor pelos encontrões que dão
com outros fatos e percepções que o confundem, e que, assim, começam a de fato
entretê-lo.
A
estrutura do livro é feita basicamente em cima dos depoimentos coletados por
Cormoran Strike; a falta de participação da mente do personagem protagonista,
do detetive, de suas percepções no texto, é o que dá o ar de grande suspense e
confusão. De certa forma, me senti deliciosamente perdido pela quantidade de
novas suspeitas, novas informações, novas confirmações e mais e mais problemas
sendo todos misturados ao longo das quase quatrocentos e cinquenta páginas, e
que não sofriam da participação ativa do personagem protagonista (por ser um
texto em terceira pessoa, certamente, e perceptivelmente também por decisão da
autora em sua narração): não é dito o que é percebido por Cormoran Strike no
decorrer do texto, salvas sutis demonstrações mínimas de percepções do
detetive. Na maioria das vezes, o leitor é levado às cegas às informações, e,
assim, o leitor tem sua completa liberdade de imaginar uma infinidade de
possibilidades de resolução do mistério de Lula Landry – o que, ao meu ver, é o
que dá o gosto mais delicioso em tudo.
O
fato de se tratar, também, de um livro fortemente ambientado no universo
londrino só soma. Para quem gosta de descrições de locais, da geografia do
espaço onde se passa a história – e principalmente se esse espaço for, ora, Londres! –, O Chamado do Cuco pode ser um mapa útil, relaxante e interessante. Vez
ou outra me sentia realmente habitando aquele lugar onde se passava a cena de
tão pungente é a forma com que J. K. Rowling nos adentra da história através de
seu detalhismo simples. A escrita simples, maravilhosamente fluida, e
inteligente, que não força a barra, de Rowling nos dá uma imensa sensação de
conforto pelas cenas que vão por entre os mais diversos âmbitos de hierarquias
sociais. Cormoran Strike vai de grandes construções do mundo da moda a PUBs
envelhecidos e malcuidados do subúrbio – e a demonstração de cada um desses
universos é feita de forma fiel, crua, e inteiramente realista.
Aliás,
um dos grandes pontos de meditação após o livro pode ser exatamente este: como
universos tão diferentes podem estar mais envolvidos do que se imagina.
Entretanto, os maiores deles, indubitavelmente, se tratam de duas questões: a
fama e o âmbito familiar. É a fama quem destroça Lula Landry, uma personagem
brilhante – mais uma vez a proeza de J. K. Rowling em trabalhar magnificamente
num contexto de enredo circundando um alguém que já não existe, de fato –,
tridimensional, incrivelmente bem construída pelos ao longo da narrativa pelos
relatos. A fama, que possui seu lado enegrecido pela necessidade de atenção e
que pode levar as pessoas às ruínas pelos mais diversos motivos e caminhos. E
as relações construídas ao redor de mentiras, segredos e loucuras quase
patológicas que podem ser danosas para toda uma família.
Quanto
aos personagens, todos são de um cuidado e veracidade ótimos – convincentes,
nada plásticos ou inúteis: quase praticamente todos possuintes de algo a
oferecer para o decorrer da história. E humanos,
o que é importante dizer. Aqui vai ser tocado um ponto um tanto polêmico que
foi gerado em torno da obra de Rowling e que eu acho que merece atenção.
Li
muitas resenhas, comentários de resenhas, comentários de vídeos do Youtube – li
e assisti bastante coisa sobre esse livro antes de decidir finalmente lê-lo.
Das críticas ruins, muito vi sendo dito que era falha, péssima a tentativa de
J. K. Rowling de tentar “fazer acontecer” um novo herói detetive. Okay, certo:
num mundo onde existe Sherlock Holmes, Hercule Poirot e Myron Bolitar, vir com
Literatura Policial de cara com um detetive como protagonista e não acontecer
comparação é impossível. Certo, possuímos nossos cânones no assunto, mas, pelo
amor de Deus, quem disse que não pode acontecer de outros detetives surgirem na
Literatura? Então é isso: precisamos agora esquecer qualquer tipo de escrita
moderna que trate de especialistas solucionando casos porque para sempre apenas
leremos Sherlock Holmes? Sandice. Para ser agora completamente sincero e talvez
ofender alguns corações literários, Cormoran Strike curiosamente me arrebatou
de uma forma mais poderosa do que Holmes o fez, quando li Conan Doyle há pouco
mais de um ano. E vou dizer o porquê: achei Strike humano. Um dos pontos mais
fortes de O Chamado do Cuco é trazer
um detetive que passa pelo que qualquer ser humano de carne e osso passa, como
dores físicas e dor emocional. Simplesmente aplaudi deveras o fato de J. K.
Rowling ter também construído um universo emocional e palpável para Strike e
Robin, pois isso me fez acreditar nele como um de nós, e não como uma entidade
assombrosamente brilhante, quase um Deus, como Sherlock Holmes foi dito por seu
companheiro fiel, Watson. Acalmemos aqui: não estou dizendo que um é melhor que
o outro. Mas me senti no dever de expressar minha opinião sobre isso, e que tenho
minha preferência, agora.
A
capa desse livro é a coisa mais linda desse mundo, aliás; a edição da Rocco,
assim como a revisão, encadernação e a diagramação: maravilhosas. Um livro
construído em torno das loucuras, pompas e consequências da fama; entre os
cigarros, os PUBs, os mistérios de uma Londres nua e crua: O Chamado do Cuco é um grande livro policial. Uma brilhante estreia
de J. K. Rowling no estilo, série a qual, sem dúvidas, promete ainda muitas
incríveis e arrebatadoras histórias de Cormoran Strike e sua fiel escudeira,
Robin Ellacott. Vale a pena conferir!