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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

de John Connolly, THE BOOK OF LOST THINGS (2006)

Título no Brasil: O Livro das Coisas Perdidas;
Quem escreveu? John Connolly;
Editora: Bertrand Brasil (selo do Grupo Record);
Tradução: Cecília Prada;
Número de Páginas: 364;
Gênero: Fantasia, Infanto-Juvenil;
Nota (de 0 a 5)5.




Namorei tanto um exemplar de O Livro das Coisas Perdidas da livraria pertinho da minha casa que, finalmente, há um mês, o comprei. Era sempre clássico eu pegar um dos que estavam na estante, olhar carinhosamente, mas nunca levar – sempre acabar preferindo por outro. Eu estava com exatamente vinte e oito reais e oitenta centavos quando fui, enfim, numa terça-feira, vindo da faculdade, até a livraria para comprar esse livro. Eu havia visto o preço um dia antes, e tinha certeza que era aquela a quantidade exata de reais que ele iria me custar. Foi só quando cheguei ao caixa e a moça anunciou que o preço era vinte e oito reais e oitenta e cinco centavos que eu me espantei.

 Mas moça... São só cinco centavos... – Fiz a minha melhor cara de Gato-de-Botas. Ela sorriu docemente e disse que iria cobrir os cinco centavos que faltavam.

O Livro das Coisas Perdidas conta a história de David, um garotinho inglês que, após perder a amada mãe (mesmo com todos os inocentes esforços feitos para tentar mantê-la viva), começa a estranhamente ouvir seus livros conversando entre si. É quase ao mesmo tempo que uma criatura estranha, um Homem Torto esquisito, começa a aparecer em seus sonhos e logo em realidade, e David acaba indo parar, na noite de um atentado, no estranho mundo desse Homem Torto. É quando David começa uma jornada perigosa, impetuosa e por vezes até sanguinária para alcançar seu objetivo: voltar para a Inglaterra, para seu mundo. Local de onde não deveria ter saído jamais.

O livro de John Connolly tornou-se um dos meus livros favoritos de todos os tempos por um motivo simples: escorre fantasia. Há uma grande leva de livros de Fantasia nos dias de hoje, mas poucos, muito poucos, conservam aquelas raízes clássicas da literatura fantástica que tanto amamos. Não é realmente tão fácil encontrar escritas e enredos com uma qualidade tão grande como tanto vimos outrora em C. S. Lewis, Anne Rice, J. K. Rowling e J. R. R. Tolkien, e eu pensava que não encontraria mais algo tão magnífico e bom quanto esses autores. Até ler John Connolly.

Connolly recupera as velhas raízes da literatura fantástica de uma forma incrível, retratando uma perfeita linearidade nos acontecimentos com o protagonista: uma perda intensa, uma realidade de confusão, a fuga, o descobrimento de um novo universo fantasioso, as provações e, enfim, o amadurecimento do personagem. A forma com que essa linearidade é descrita é simplesmente cativante, tudo sendo feito com uma interatividade absurdamente contagiante, fazendo com que a clássica ideia do leitor se sentir na história realmente aconteça. O universo real e o universo fantasioso de Connolly são igualmente palpáveis e perfeitamente bem criados e organizados, ricamente detalhados com uma parcimônia, sem exageros, encantadora. É um livro onde tudo pode se encontrar, mas sem fazer o leitor sentir-se pesado pela quantidade de informações colocada ao longo das páginas.

É muito óbvio que John Connolly trabalhou neste livro com uma sutileza e um cuidado muito grande, pois é tudo muito bem organizado e interligado, além de tudo muito, em questão de enredo, fluido. O enredo escorre como um rio sem empecilhos, calmo, intenso e sem de forma alguma travar. Ler O Livro das Coisas Perdidas é sentar para ler uma leitura relaxante e se divertir com ela. Os personagens são todos incríveis, sejam os com menos aparição, sejam os protagonistas, e algo que realmente me surpreendeu muito no livro foi a questão da vilania. Há dois grandes vilões em O Livro das Coisas Perdidas, além de outros também assustadores vilões: o Homem Torto e Leroi. Toda a maldade e crueldade do livro gira em torno desses personagens, e é exatamente aquilo que você pode chamar de real vilania. São vilões absurdamente cruéis, inescrupulosos, e o que esses personagens fazem acaba por manter e intensificar toda a tensão do enredo. Aliás, esse é um ponto que precisa ser enunciado sobre O Livro das Coisas Perdidas: é um livro que, apesar de fluido e relaxante, também é incrivelmente medonho, cruel e arrepiante. Existe real vilania nesse livro, e não só na questão de acontecimentos e dos vilões em si, mas também em pensamentos e índoles, e também na situação toda que envolve o próprio David. Houve momentos em que realmente fiz cara feia para as páginas do livro, e realmente houveram momentos em que me arrepiei e me assustei com o que li.

Entretanto, ao mesmo tempo que existe real e cruel vilania, também contém real e magnífico heroísmo. Nesse quesito, Rolando (meu personagem favorito) e O Lenhador se encaixam perfeitamente como exemplos: homens exemplares, brilhantes e corajosos, verdadeiros exemplos, mantém o equilíbrio do enredo por pesarem no lado da bondade e magnificência da balança. São personagens trabalhados com uma maestria incrível, que esbanjam empatia e importância no enredo; são partes importantíssimas para o amadurecimento do personagem David, assim, é claro, como os vilões também.

É o grande trunfo do livro, na verdade: o aprendizado incessante de David. O Livro das Coisas Perdidas é uma grande e grandiosa alegoria sobre o amadurecimento de uma criança. David, que entra perdido, triste, amargurado e assustado num mundo cruel e fantasioso, aprende acontecimento após acontecimento, dia após dia naquele lugar, e sua mudança e crescimento podem realmente ser notados pelo leitor. Os aprendizados que David recebe ao longo do livro são inúmeros, assim como as questões trabalhadas no enredo: questões históricas (entender uma guerra, já que o livro se passa no período da Primeira Guerra Mundial), questões familiares (a perda de um ente querido; aceitação de uma nova família), questões sociais (aqui eu realmente poderia citar várias, mas uma me surpreendeu tão enormemente que é a que merece destaque: a homoafetividade – abordada da forma mais sensível, doce, gentil, poética e edificante que eu já li) se misturam em meio à fantasia, que é o que faz O Livro das Coisas Perdidas um livro único por, como até mesmo o Daily Express comentou, intrinsecar o real e o fantasioso de uma forma sensata, surpreendente e admirável.

E em termos de escrita: é impecável. Simples e riquíssima, com um vocabulário encantador e um lirismo hipnotizante, não há como não se apaixonar pela escrita de Connolly. Ela lembrou-me a escrita de C. S. Lewis, tão completa e mágica quanto. Connolly se tornou um dos meus autores favoritos da vida, e com certeza procurarei mais coisas do autor, publicado no Brasil pela Bertrand Brasil, selo da editora Record. Editora, aliás, a qual ando admirando muito e me apaixonando pelo catálogo. O trabalho técnico feito com O Livro das Coisas Perdidas é incrível: tradução, revisão, impressão, diagramação – maravilhoso. Tudo maravilhoso.

O Livro das Coisas Perdidas é um livro de fantasia que realmente ficou marcado na minha memória, e do mesmo para sempre vou não só lembrar, mas também indicar. É um livro que merece ser lido pelo mundo inteiro, um livro que merece virar um best-seller e que também merece ser tombado como um clássico da Fantasia. Se você ainda não leu, dê uma chance para essa viagem mágica de John Connolly. Realmente vale a pena conferir!




Já leu o livro? Ainda não? Discorda de alguma coisa, concorda, tem algo a acrescentar? Deixe suas opiniões nos comentários!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

de A. N. Roquelaure (Anne Rice), THE CLAIMING OF SLEEPING BEAUTY (1983)


Título no Brasil: Os Desejos da Bela Adormecida;
Editora: Rocco;
Tradução: Amanda Orlando;
Gênero: Ficção Erótica;
Nota (de 0 a 5)5.




            Depois de ter lido Chore Para o Céu, ficção histórica de Anne Rice, me apaixonei completamente pela autora. Caí, literalmente, aos pés da escrita brilhante, absurdamente poética e inteligente da considerada rainha do gótico moderno. Ela foi para o pódio magnífico da minha vida literária que antigamente pertencia apenas a Elizabeth Gilbert e J. K. Rowling, o pódio de “autores favoritos”, e foi exatamente após a última página do livro já citado ser lida que admiti pra mim mesmo: preciso ler tudo dessa mulher. E foi o que comecei a fazer – comprar livros de Rice e iniciar minha jornada pela brilhante história literária da autora. Foi com uma amiga que consegui a trilogia da Bela Adormecida, mas já muito antes de compra-la eu havia ouvido falar da história e as opiniões de quem leu – e, bem, é quase unanimidade a reação das pessoas ao lerem-na: repulsa. Susto, horror. Uma amiga minha leu antes de mim, e a reação foi a mesma – e olha que foi uma pessoa que suportou muito mais coisas chocantes na Literatura que eu. Pensei “pronto, lascou”. Mas ainda assim não desisti da leitura. E, com toda a sinceridade: que bom que não.

            A trilogia da Bela Adormecida de Anne Rice se trata de um retelling do conto original da Bela Adormecida – ou seja: trata-se da base da história que já conhecemos do conto de fadas, porém recontada por outra perspectiva. Por alto, podemos defini-la como uma perspectiva sexual. Nesse remodelado universo, Bela é despertada por um príncipe já por um ato sexual, e é por um acordo de seu mundo, onde príncipes e princesas de reinos devotos a um grande reino principal são enviados como tributos, e por ter sido despertada pelo dito Príncipe do reino principal, que Bela é obrigada a servir não só a ele, mas também a toda a corte de um reino famoso por sua educação de futuros e exemplares monarcas através de uma escravização sexual completa, onde a dor e o prazer não possuem distinção e os limites da entrega e do pudor são colocados em teste.

            Não é um livro de fácil leitura, de fato. A escrita Anne Rice que vi pela primeira vez, no livro Chore Para o Céu, trazia uma dificuldade de leitura imensa por conta de um rebuscamento vocabular – em Os Desejos da Bela Adormecida, isso já acontece por seu conteúdo. Trata-se realmente de um livro pesado, absurdamente forte, onde o sexo protagoniza as cenas de forma fortíssima – e não, não um sexo atraente, sexy, como em outras conhecidas obras de literatura erótica, mas um sexo pesado. A exploração sexual neste livro de Anne Rice traz como ponto focal, na maioria das vezes, especificamente a entrega despudorada e sem limites. Ou seja: as cenas são fortes, impetuosas, dolorosas e por vezes angustiantes, mas necessárias para o cumprimento do que foi, ao meu ver, o objetivo da autora.

            E é exatamente aqui o ponto onde eu gostaria de chegar: não foi o erotismo o foco de Rice. Não foi do objetivo da autora fazer seus leitores sentirem ondas de excitação e divertirem-se com a leitura de Os Desejos da Bela Adormecida. Os objetivos de Anne Rice, ao meu ver, foram claramente dois: a exploração dos limites e o choque.

            É clara a vontade imensa de Anne Rice trabalhar com limites. Seu trabalho é claramente trabalhar o sexo não só por um viés prazeroso, nem mesmo só por um viés doloroso, mas sim os pontos máximos de todos os pontos de vista que o ato sexual pode possuir. E as formas com que Anne Rice planejou alcançar e desenrolar os limites sexuais dos personagens de seu romance foram justamente o que causaram tanto horror a tantos leitores. Foram utilizadas mentes de personagens inescrupulosos e impetuosos; resgatadas e criadas horrendas fantasias sexuais; utilizados métodos, objetos, posições, abordagens, e outros variados utilitários para trabalhar essencialmente com a questão: até onde o ato sexual e todas suas dimensões podem chegar? Esse é o epicentro, em meu ponto de vista: o trabalho não com o sexo pelo sexo, nem com o sexo pelo comum, mas o sexo por seus limites. E só quem tem sangue frio e não tantas amarras com o politicamente correto que pode, de fato, compreender o fator de essência da obra.

            Obra que, aliás, discordo novamente com o que é imensamente dito por muitas resenhas por aí: não se trata de pornografia. Pornografia, ao meu ver, não está no conteúdo do que é escrito, ou toda obra que trabalha com sexualidade, que demonstra o sexo, tratar-se-ia de pornografia. Pornografia está na forma de escrita e demonstração daquele conteúdo. Anne Rice em nenhum momento é rude, suja ou depreciativa em sua escrita: trata-se de uma obra de leitura extremamente fluida, até mesmo fácil, mas que mantém os traços costumeiros da autora: a inteligência da escrita e o uso correto de palavras, principalmente na forma sutil e educada com que descreve os momentos sexuais, o que não deixa, em questão de escrita, o que é lido repugnante. O choque, aqui, será com o conteúdo, e não com a escrita.

            E, pois bem: o choque. No último domingo, dia dez, assisti à ótima entrevista da cantora Pitty com a jornalista entrevistadora Marília Gabriela, onde ambas se encontraram para as famosas entrevistas reveladoras e inteligentes da profissional. Foi em algum momento da entrevista que, discutindo sobre a realidade do Rock no Brasil, ambas entremearam-se na conversa sobre dois tipos de Rock: um Rock mais ameno e um Rock mais pesado, áspero. E Pitty disse palavras que me fizeram imediatamente fazer uma correlação com a obra de Anne Rice: “O que é limpo, o que é aceitável, ele obviamente é mais fácil de chegar nos lugares. O que é mais diferente, áspero, é uma coisa que é mais segmentada. Não é tão popular. [...] Uma estética [...] que é feita pra incomodar...” E então Marília Gabriela completa com a palavra perfeita para o que quero alcançar: “Pra te provocar. Pra provocar uma reação”.

            Provocação. Ato de incomodar. Cutucar. Sei que é um pecado terrível prum resenhista tentar adivinhar as intenções de um escritor, mas pela experiência que possuo de Anne Rice sei que posso arriscar isso: foi proposital. E previsto – e, certamente, premeditado, o rebuliço sobre esta obra. Anne Rice trabalha homossexualismo explícito, em suas obras; Anne Rice sempre trabalhou com a luxúria explícita, lasciva, em seus escritos. Anne Rice trabalha com ideais religiosos, crenças e dogmas; Anne Rice cutuca verdades sentimentais, emocionais e de diversas outras dimensões do ser humano em seu trabalho de escrita. Um escritor que trabalha com tantos pontos delicados não faz isso sem saber o que está fazendo, ou inocentemente. Anne Rice busca e sempre buscou cutucar, incomodar, provocar, fazer seu leitor pensar – e, ora, por que em sua literatura erótica seria diferente? O que vi nas páginas de Os Desejos da Bela Adormecida foram as seguintes provocações, dentre inúmeras outras: “Me deixe cutucar nos recantos obscuros de você...” “Você aceita isso?” “Como você reagiria a isso?” “Isso te dá nojo?” “Você consegue aguentar mais algumas páginas?” “O quanto de você existe aqui?” – e é exatamente isso que faz, ao meu ver, um autor ser esplendoroso e inigualável. A capacidade de chegar até o ser humano. Anne Rice faz isso com absoluta perfeição nestas quase trezentas e cinquenta páginas, já que, ora: se é um livro que causou tanto choque e foi tão odiado por causar tanto, de fato trata-se de um ótimo livro.

            Mas o livro também não se trata apenas de sexualidade e erotismo: Os Desejos da Bela Adormecida traz uma inteligente e criativa releitura para o clássico conto de fadas. Chocante, sim; angustiante, sim; cruel? Bastante. Mas indubitavelmente inovadora e interessante. Nesse doido mundo onde o lascivo é bateria dos personagens (Anne Rice, numa entrevista sobre a obra, disse: "eu queria fazer a Disneylândia do S&M"), o medieval é simples e convincentemente implantado, e alguns vestígios do clássico e reconhecido teor gótico de Anne Rice ainda podem ser percebidos cá e acolá; os personagens são elegantemente apresentados ao leitor, basicamente divididos entre aqueles escravizados e aqueles não escravizados, e, atraindo o foco para os escravizados sexualmente, outra questão também é interessantemente trabalhada por Anne Rice: o aprendizado e moldagem de um alguém no meio em que se encontra. Personagens como Princesa Lizetta e Príncipe Gerald são mostrados como alguns dos que foram manipulados de acordo com o que é ensinado e esperado dos escravos – um processo de lavagem cerebral bizarro, porém bem construído –, mas foram Bela e Príncipe Alexi em quem Rice aumentou o zoom e trabalhou os caminhos de todo o processo da aceitação e entendimento do que é vigente em derredor, e é um processo interessantíssimo de se ler.

            E mais, para finalizar os comentários sobre esta ótima obra: não acho que se trate de um conteúdo machista, como muito li ser taxada. Machismo, numa definição simples, é um meio onde o homem encontra-se em posições mais importantes no derredor e faz uso de força, psicológica ou bruta, para repreender, humilhar ou diminuir mulheres. E, bem, quando há uso de algum tipo de diminuição ou repreensão com personagens neste livro, o sofredor e o acusador variam de sexo. Traduzindo: homens e mulheres aqui batem, fazem loucuras sexuais e exploram outros homens e mulheres assim como homens e mulheres sofrem dos que infringem (homens ou mulheres). O fato de Bela ser a personagem em quem tudo vai ser demonstrado não faz dessa obra machista, já que homens também no universo criado sofrem do que Bela sofre – e, bem, na verdade sofrem coisas bem piores do que ela. E, sinceramente falando, as personagens femininas são as mais cruéis desse livro (kkk).

            Como fã de Anne Rice, eu precisava dizer absolutamente tudo o que pensava sobre a obra e tudo com o que discordava do que já havia lido anteriormente – por isso o tamanhão da resenha. E, de fato, ela é o meu ponto de vista sobre a obra, que eu sei que é divergente do da maioria, e isso não o faz melhor ou pior. Faz ser só mais um ponto, dentro tantos outros diversos espalhados pelo mundo.


            A. N. Roquelaure, ou Anne Rice – que pseudônimo classudo! –, concebeu mais uma de suas obras brilhantes, explorando o mundo da sexualidade, do prazer, da dor e do pudor como poucos antes e, possivelmente, depois. De uma coragem extrema e da inteligência imensurável, aplaudo mais uma vez a autora, que só provou ser uma das melhores que já existiram, ao meu ver. É um livro para poucos, pois poucos possuem estômago; entretanto, para quem o percebe e compreende, pode tratar-se de uma inesquecível, intrigante e instigante obra. Se for consumir, esteja pronto, e abra sua mente! É a única forma de fazê-lo com exatidão.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

de Yann Martel, LIFE OF PI (2001)


Título no Brasil: As Aventuras de Pi;
Editora: Nova Fronteira;
Tradução: Maria Helena Rouanet;
Revisão: Rachel Rimas;
Gênero: Ficção (?);
Nota (de 0 a 5)5.




Ter As Aventuras de Pi em mãos foi um golpe de sorte. Não deveria ser meu; comprei prum amigo e, quando vi que tinha em mãos um livro de um filme que queria ver há muito tempo, decidi ficar com ele e dar um outro ao tal amigo – já que, bem, é uma regrinha básica para a maioria de nós, leitores, sempre ler o livro antes de ver o filme em que foi baseado (e eu sigo essa regra feito o chatérrimo bookaholic que sou). E, como dito: um golpe de sorte. E que sorte. Pois acabei tendo em mãos um dos melhores livros que li esse ano – e, quem disse que não?, da minha vida.

As Aventuras de Pi conta a história, baseada em fatos reais, de Piscine Molitor Patel – que, por razões inúmeras, rebatiza socialmente a si mesmo como Pi. Um menino inteligente e de mente aberta, vegetariano, que é ao mesmo tempo cristão, muçulmano e hindu (sim), descobre que precisa deixar a Índia com seus pais, irmão e animais do zoológico onde vive em direção ao Canadá para recomeçarem suas vidas. Na viagem de ida, porém, Pi vê-se num bote com uma hiena, uma zebra, uma orangotango e um tigre (Richard Parker – sim, esse é o nome do tigre, e o porquê dele ter esse nome você também vai descobrir), após o assustador naufrágio do navio Tsimtsum. E são sobre os meses – sim: no plural – que Pi Patel, um jovem sagaz, corajoso e perseverante sobrevive no meio do oceano que você irá saber. E entender. E, com ele, se aventurar.

No meio do livro, eu fiquei me perguntando se o título “As Aventuras de Pi” havia sido realmente uma boa escolha para a tradução do nome original, Life of Pi, no Brasil. O substantivo “aventuras” me passa uma imagem por demais... Romântica, quando se atribui a uma trajetória. É levar o leitor imediatamente a pensar em grandes aventuras mitológicas, sobre um forte, indestrutível e brilhante ser divino à la grega – e foi isso, confesso, que estupidamente me levei a acreditar. E, consequentemente, estupidamente fui jogado para fora do que eu acreditava pelo enredo. Pois foi também assim que foi As Aventuras de Pi, para mim: um soco na cara e no estômago. Assim como um beliscão na consciência, e em muitas verdades que eu achava serem sólidas dentro de mim.

 A primeira parte do livro é brilhante. Trata-se basicamente de uma apresentação de Pi, da mentalidade de Pi e da realidade em que vive; é nesse momento em que o leitor irá conhecer o seu herói. Como dito, e provavelmente deve ter parecido confuso para quem não leu o livro, Pi Patel se trata de um menino um tanto diferente: ele se considera de várias religiões. E é esse o ponto que Yann Martel perfura com maior intensidade e maior foco, nesta primeira parte da obra, lindamente expressando o que quer expressar sem parecer um desesperado espiritualizado que quer converter pessoas – não, nem pense nisso. Sou pessoalmente apaixonado por qualquer coisa que traga discussões sobre religiões – desde entrevistas na TV a livros especializados no assunto –, e encontrei nesse livro uma mina simples, nada pedante e preciosa disso. Preciosa por não querer profetizar, ou dogmatizar, espiritualizar, mas por esclarecer: pelas palavras de um homem sábio, é descrita toda uma vibrante discussão sobre essa realidade pessoal de Pi, sua grande quantidade de crenças religiosas,  o porquê dele ser assim, e o porquê de não ser errado ele ser assim; do porquê todo tipo de crença ter seu valor e sua beleza, apesar de suas grandes obscuridades, e, principalmente: como o seu eu cheio de fé e crenças foi uma grande arma para sua sobrevivência. As Aventuras de Pi é um livro lindamente universal, verdadeiro e corajoso nesse sentido.

É então quando o livro parece mudar de tom. A escrita leve, muitíssimo bem-humorada (o humor inteligente de Yann Martel me arrancou gargalhadas em sua primeira parte) e descompromissada tomba exatamente quando o navio de Pi Patel também tomba, para uma escrita mais dura e seca – e o leitor é levado com a história para o fundo do poço da nova realidade do herói de Martel. Magnífica, essa mudança de tom – do claro para o negrume, onde a tensão de Pi pode ser sentida na pele, quase que literalmente de tão real. É aí então que a história de fato começa. E o que Pi Martel passa em alto oceano, nos meses em que fica perdido... É cruel. Nuamente desenvolvida ao longo do enredo, as provações de Pi são lancinantes: seu estado emocional; seu estado físico; seu estado espiritual; seu estado existencial; seu estado psicológico – tudo, tudo, absolutamente tudo que poderia ser trabalhado em Pi para descrever a história de um garoto perdido em alto mar é trabalhado com perfeição – por isso me atrevo com toda a confiança do mundo a definir Piscine Molitor Patel como um dos mais completos protagonistas que já li.

A trajetória sofrida de Pi é desenvolvida num universo ironicamente “mínimo”: simplesmente um bote, uma engenhoca e imensidões verticais e horizontais (um céu infinito, um horizonte infinito, um oceano infinito). O passo a passo da sobrevivência nesse “mínimo” é acachapante: ver como Pi compreende sua realidade, encontra e constrói suas chances de vida e adapta-se inteiramente à necessidade é incrível, tudo em meio de uma escrita viciante, dinâmica, inteligente, baseada numa ótima pesquisa e inteira repleta de discussões relacionadas aos processos de identificação, entendimento, percepção, dentre outros, de Pi. É também tudo muito cru, seco, quando precisa ser. O que acontece realmente é dito como acontece, e isso me chocou algumas vezes – a ponto de me fazer virar o olho das páginas, tomar um fôlego e só em seguida continuar (claro que isso vai do nível de sensibilidade de cada um, mas acho que nenhum passaria ileso ao que acontece à zebra...). Mas mais interessante mesmo é a... Eu ia dizer “amizade”, mas é tanto mais como menos o que se desenrola entre Pi e seu fiel companheiro, Richard Parker, o tigre que tem nome de gente. O processo de entendimento, compreensão, habituação, rotina, sobrevivência de ambos é... Uau. Uau, de fato. E, por favor, um momento pro derretimento do resenhista: que coisa mais linda, incrível, fofa, fodástica é Richard Parker?! Esse tigre é LINDO, gente! Pelo amor de Deus!!! Fodástico e absurdamente metafórico – pode deixar o leitor doido, doidinho da silva, se ele se permitir pensar sobre todas as metáforas escondidas nas entrelinhas desse livro.

Ao final, enfim, é outro fôlego que a escrita toma nos poucos capítulos da terceira parte do livro – e qualquer informação que eu dê sobre esse fôlego eu corro o risco de dar spoiler, então prefiro deixar meu leitor por ele mesmo descobrir o que acontece (apesar de ser, bem, meio óbvio o principal do desfecho da história). O fim do livro é feito de uma forma que é bastante satisfatória – mas, bem, só. Fiquei meio em dúvida se gostei ou não. Se merecia mais poesia, algo mais inebriante...


Mas isso, um mero milímetro perto de quilômetros de maravilhas, não faria o livro perder nem um pouco seu brilho. As Aventuras de Pi é um livro precioso, um achado; uma prosa de ouro, que merece ser eternizada como um livro inspirador e poderoso. Aliás, por fim, eu finalmente concordei com o título dado no Brasil: As Aventuras de Pi. Porque o caráter de divino nessa história existe. Que não pode ser definida de outra forma além de: um milagre.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

de Robert Galbraith, THE CUCKOO'S CALLING (2013)


Título no Brasil: O Chamado do Cuco;
Quem escreveu? Robert Galbraith (pseudônimo de J. K. Rowling);
Editora: Rocco;
Tradução: Ryta Vinagre;
Gênero: Ficção Policial;
Nota (de 0 a 5)5.





Não fui apenas eu quem teve a agradável surpresa de que um recente livro policial com razoável sucesso na Inglaterra havia sido escrito por ninguém mais, ninguém menos que J. K. Rowling, sob um pseudônimo vago e comum. A autora do maior fenômeno literário da história da Literatura Infantil, Harry Potter, havia agido soturnamente, mas acabou que sua obra policial tornou-se um fenômeno de vendas assim que seu nome começou a ser atrelado a ela oficialmente – e, bem, será assim com tudo que essa mulher se atreva a escrever agora. É claro que fiquei interessado, ora essa: Rowling foi a mulher que descaradamente me empurrou e afogou no amor pela Literatura, e, após a leitura de seu primeiro livro para crescidos (já que “Literatura Adulta” hoje em dia não tem uma conotação muito ortodoxa), Morte Súbita, eu tinha certeza de que essa doce britânica poderia escrever absolutamente tudo o que quisesse. Mas ainda assim a notícia e primícias de O Chamado do Cuco me atordoavam um tantinho: literatura policial? J. K. Rowling? Um novo herói detetive? Aquilo me deixava um tantinho inseguro, e, curiosamente igual a seu primeiro livro para adultos lançado, demorei quase um ano após sua publicação no Brasil para tê-lo em mãos e lê-lo.

E digo: não me arrependo nem um tiquinho de finalmente ter mergulhado nesta incrível história.

Cormoran Strike se trata de um falido detetive particular que, quase num golpe de sorte, é contratado por um cabisbaixo e nervoso homem chamado John Bristow, o qual recruta seus serviços para o assunto o qual notavelmente o perturba: o assassinato de Lula Landry, a incrível, admirável e esplendorosa modelo que três meses antes estampara todo tipo de mídia por conta de seu trágico “suicídio”, quando caiu do alto de sua sacada no terceiro andar de uma construção de luxo. A investigação, agora silenciosamente sob os olhos de Cormoran Strike e sua naturalmente habilidosa e inteligente secretária Robin Ellacott, toma absurdos e intrínsecos caminhos ao longo de uma investigação minuciosa, que revira o passado da supermodelo e daqueles que lhe eram próximos até um desfecho visceral, marcante e acachapante.

O leitor pode sentir-se um pouco incomodado no início da leitura de O Chamado do Cuco – eu entendo aqueles que reclamam que mal conseguiram passar da página cinquenta. O negócio pode realmente ser um pouquinho cansativo: pessoalmente, até mais ou menos a página cem eu olhava com olhos sonolentos e um estado de espírito entediado para aquelas páginas. Elas podem ser um tanto tediosas por serem o início engatinhador do enredo: as sutis primeiras verdades, opiniões, e as rasas primeiras percepções jogadas para o leitor; peças soltas, depoimentos interessantes, porém aparentemente vagos, que só a partir de mais ou menos um quarto da leitura feita começam a perturbar o leitor pelos encontrões que dão com outros fatos e percepções que o confundem, e que, assim, começam a de fato entretê-lo.

A estrutura do livro é feita basicamente em cima dos depoimentos coletados por Cormoran Strike; a falta de participação da mente do personagem protagonista, do detetive, de suas percepções no texto, é o que dá o ar de grande suspense e confusão. De certa forma, me senti deliciosamente perdido pela quantidade de novas suspeitas, novas informações, novas confirmações e mais e mais problemas sendo todos misturados ao longo das quase quatrocentos e cinquenta páginas, e que não sofriam da participação ativa do personagem protagonista (por ser um texto em terceira pessoa, certamente, e perceptivelmente também por decisão da autora em sua narração): não é dito o que é percebido por Cormoran Strike no decorrer do texto, salvas sutis demonstrações mínimas de percepções do detetive. Na maioria das vezes, o leitor é levado às cegas às informações, e, assim, o leitor tem sua completa liberdade de imaginar uma infinidade de possibilidades de resolução do mistério de Lula Landry – o que, ao meu ver, é o que dá o gosto mais delicioso em tudo.

O fato de se tratar, também, de um livro fortemente ambientado no universo londrino só soma. Para quem gosta de descrições de locais, da geografia do espaço onde se passa a história – e principalmente se esse espaço for, ora, Londres! –, O Chamado do Cuco pode ser um mapa útil, relaxante e interessante. Vez ou outra me sentia realmente habitando aquele lugar onde se passava a cena de tão pungente é a forma com que J. K. Rowling nos adentra da história através de seu detalhismo simples. A escrita simples, maravilhosamente fluida, e inteligente, que não força a barra, de Rowling nos dá uma imensa sensação de conforto pelas cenas que vão por entre os mais diversos âmbitos de hierarquias sociais. Cormoran Strike vai de grandes construções do mundo da moda a PUBs envelhecidos e malcuidados do subúrbio – e a demonstração de cada um desses universos é feita de forma fiel, crua, e inteiramente realista.

Aliás, um dos grandes pontos de meditação após o livro pode ser exatamente este: como universos tão diferentes podem estar mais envolvidos do que se imagina. Entretanto, os maiores deles, indubitavelmente, se tratam de duas questões: a fama e o âmbito familiar. É a fama quem destroça Lula Landry, uma personagem brilhante – mais uma vez a proeza de J. K. Rowling em trabalhar magnificamente num contexto de enredo circundando um alguém que já não existe, de fato –, tridimensional, incrivelmente bem construída pelos ao longo da narrativa pelos relatos. A fama, que possui seu lado enegrecido pela necessidade de atenção e que pode levar as pessoas às ruínas pelos mais diversos motivos e caminhos. E as relações construídas ao redor de mentiras, segredos e loucuras quase patológicas que podem ser danosas para toda uma família.

Quanto aos personagens, todos são de um cuidado e veracidade ótimos – convincentes, nada plásticos ou inúteis: quase praticamente todos possuintes de algo a oferecer para o decorrer da história. E humanos, o que é importante dizer. Aqui vai ser tocado um ponto um tanto polêmico que foi gerado em torno da obra de Rowling e que eu acho que merece atenção.

Li muitas resenhas, comentários de resenhas, comentários de vídeos do Youtube – li e assisti bastante coisa sobre esse livro antes de decidir finalmente lê-lo. Das críticas ruins, muito vi sendo dito que era falha, péssima a tentativa de J. K. Rowling de tentar “fazer acontecer” um novo herói detetive. Okay, certo: num mundo onde existe Sherlock Holmes, Hercule Poirot e Myron Bolitar, vir com Literatura Policial de cara com um detetive como protagonista e não acontecer comparação é impossível. Certo, possuímos nossos cânones no assunto, mas, pelo amor de Deus, quem disse que não pode acontecer de outros detetives surgirem na Literatura? Então é isso: precisamos agora esquecer qualquer tipo de escrita moderna que trate de especialistas solucionando casos porque para sempre apenas leremos Sherlock Holmes? Sandice. Para ser agora completamente sincero e talvez ofender alguns corações literários, Cormoran Strike curiosamente me arrebatou de uma forma mais poderosa do que Holmes o fez, quando li Conan Doyle há pouco mais de um ano. E vou dizer o porquê: achei Strike humano. Um dos pontos mais fortes de O Chamado do Cuco é trazer um detetive que passa pelo que qualquer ser humano de carne e osso passa, como dores físicas e dor emocional. Simplesmente aplaudi deveras o fato de J. K. Rowling ter também construído um universo emocional e palpável para Strike e Robin, pois isso me fez acreditar nele como um de nós, e não como uma entidade assombrosamente brilhante, quase um Deus, como Sherlock Holmes foi dito por seu companheiro fiel, Watson. Acalmemos aqui: não estou dizendo que um é melhor que o outro. Mas me senti no dever de expressar minha opinião sobre isso, e que tenho minha preferência, agora.


A capa desse livro é a coisa mais linda desse mundo, aliás; a edição da Rocco, assim como a revisão, encadernação e a diagramação: maravilhosas. Um livro construído em torno das loucuras, pompas e consequências da fama; entre os cigarros, os PUBs, os mistérios de uma Londres nua e crua: O Chamado do Cuco é um grande livro policial. Uma brilhante estreia de J. K. Rowling no estilo, série a qual, sem dúvidas, promete ainda muitas incríveis e arrebatadoras histórias de Cormoran Strike e sua fiel escudeira, Robin Ellacott. Vale a pena conferir!

domingo, 13 de abril de 2014

de Michela Murgia, ACCABADORA (2009)



Título no Brasil: Acabadora;
Quem escreveu? Michela Murgia;
Editora: Alfaguara (selo da editora Objetiva);
Tradução: Federico Carotti e Denise Bottmann;
Gênero: Drama, Familiar, Ficção italiana;
Nota (de 0 a 5)5.


não tem fotinho de apresentação porque não achei na internet uma decente pra cortar
sorry.


Foi em alguma promoção relâmpago nesses sites grandes que vi Acabadora à venda, pela primeira vez. Eu nunca havia ouvido falar do livro, a verdade é essa, e talvez, sendo sincero, se eu houvesse o visto em qualquer outro lugar que não numa estante virtual sob o preço promocional irrisório (tão irrisório que quase ridículo) de dez reais não o haveria comprado. Pra falar a verdade mesmo, eu não cheguei nem a comprar o livro: mandei o link pr’uma amiga super legal e me aproveitei da data próxima do meu aniversário pra fazer a chantagem emocional costumeira.

“Compra pra mim?”, perguntei pra ela.

“Compro.” Ela disse prontamente. “Só porque é teu aniversário.”

E, apesar de ela não ter dito, aposto que completou em pensamento essa frase com “e porque tá com esse preço”.

Havia, acho, mais de trezentos livros em promoção, mas foi Acabadora que me chamou verdadeiramente a atenção, dentre vários. Pra começar, se você quer saber, essas promoções gigantes de sites gigantes são meio enganosas: eles só colocam livros que costumam não realmente interessar as pessoas para se livrar logo deles. Nada contra este tipo de livro e quem o lê, mas eu realmente não vou gastar dinheiro com algo chamado “Vinte Dicas para o Sucesso” ou coisa do tipo; segundo que, quando bati o olho, simplesmente me apaixonei pela capa: a menina de cabeça baixa, vulneravelmente triste e introspectiva imediatamente me cativou. Sem contar com o nome, é claro, que, somado à energia que emana do design da cover, nos faz pensar logo em algo dramático, obscuro e até fúnebre.

Já bastaria para me conquistar de cara e me fazer comprar apenas por esses atributos – ou seja: fazer uma compra irresponsável –, Acabadora. Entretanto, tive mais algumas deliciosas e surpreendentes surpresas que foram o bastante para me decidir pedi-lo de presente.

Além de ser um livro italiano e que fale sobre a Itália tradicional do século passado (eu sou perdidamente apaixonado por esse país e estou sempre tentando aprender de forma quase assustadora sobre o mesmo), o livro nos traz um enredo que simplesmente me arrebatou: uma garotinha, Maria, que, rodeada pela realidade de uma Sardenha supersticiosa e enovelada de regras e tradições antigas, é adotada pela misteriosa e poderosa Bonaria Urrai, uma mulher possuidora de uma estranha e quase macabra posição, se não uma função, tradicional no lugar onde vive. Os destinos dessas duas mulheres, presos a uma realidade e a eventos e acontecimentos dramáticos e poderosamente incisivos em suas vidas, personalidades e formas de pensar e agir, são desenvolvidos numa trama imponente, firme e arrebatadora por Michela Murgia – mulher que se tornou uma das autoras mais brilhantes que existem, na minha concepção.

Foi só depois que pedi que comecei a ler que me dei conta de que algo me angustiava em relação ao livro de Murgia: seu tamanho. Pela percepção que tive do enredo, simplesmente não conseguia imaginar como aquela mulher italiana conseguiria desenvolver um enredo tão poderoso como aquele em irrisórias 154 páginas. Eu realmente estava temeroso: o livro que minha amiga havia me dado com tanto carinho, no meu pensamento bobo, poderia se tornar uma grande decepção por não ter um enredo tão bem desenvolvido por conta do tamanho do livro. Eu não conseguia enxergar como Murgia conseguiria dar a tudo seu tempo e sentido em tão poucas páginas – simplesmente não conseguia. Mas é claro que eu estava sendo um completo melodramático, como percebi com o passar das páginas: Michela Murgia é uma mestra na adequação de tempo e espaço em enredo – ao menos foi, nesse livro que li. Isso pode parecer um ponto bobo para se sublinhar numa resenha, porém isso para mim é algo extremamente importante e deve ser tratado com muito cuidado. Já tive antes experiências com livros que, talvez por sua pressa em se adequar a certa quantidade de páginas “querida” pela maioria massiva dos leitores (de duzentas a trezentas páginas) – ou realmente por preguiça do escritor, sabe-se lá –, acabaram se tornando desastres melindrosos por não conseguirem dar um ritmo adequado ao que sua história pedia. Murgia soube fazê-lo com magnitude. Poucas vezes vi um livro tão completo, nesse sentido (menos vezes ainda com livros de menos de duzentas páginas; talvez seja o primeiro).

Acabadora é um livro rico, que retrata um drama familiar numa realidade interiorana, portanto cheio de demonstrações – retratadas de forma belíssima e fidedignas – da forma com que o universo nesse tipo de realidade funciona. Não se deve esperar de um livro assim floreios modernos e contemporâneos, em questão de tempo e espaço do enredo; espere o retratar do simples pensamento de uma cidade pequena, a complexidade das teias que formam as tradições seculares seguidas por habitantes de uma realidade como essa. Esperem o retratar de questões comuns pelo imaginário popular de uma Itália rural da segunda metade do século XX, o trabalho com a demonstração do sentimento e da psique de diversos personagens e caricatos comuns dessa época e habitualidade. Essas são coisas que verdadeiramente se podem encontrar no livro de Murgia.

Além, é claro, de uma escrita digna de ser aplaudida de pé. Tão belamente ornamentada, a escrita de Michela Murgia é serpeada por belas colocações de palavras e adjetivos – belas, não cansativas. É realmente bem chato quando um escritor isso faz para apenas embelezar o texto ou torna-lo pseudointelectual. Murgia não: sua escrita é natural, delicada, e realmente flui: é um livro que pode ser lido, dependendo do ritmo de leitura de cada um e identificação com o texto, com calmaria e prazer. E melhor, para aqueles que gostam de logo terminar leituras: como já dito, pequeno. Cento e cinquenta e quatro páginas, apenas.

A pequena grande obra de Michela Murgia, Acabadora, indubitavelmente é uma obra que não só superou expectativas, mas que também inspirou, instigou e, mais que tudo: ensinou. Sobre a Itália, sobre os costumes de uma vida tradicional, sobre bucólicos e sombrios costumes populares e sobre o quanto que a vida e a morte são fatores tanto relevantes quanto cruciais para a transformação de pessoas e seus destinos.

quarta-feira, 19 de março de 2014

de J. K. Rowling, CASUAL VACANCY (2012)


Título no Brasil: Morte Súbita;
Quem escreveu? J. K. Rowling;
Editora: Nova Fronteira (selo da editora Ediouro);
Tradução: Izabel Aleixo e Maria Helena Rouanet;
Gênero: Ficção inglesa;
Nota (de 0 a 5)5.





Quis este livro desde a primeira vez que ouvi falar dele. Entretanto, por um motivo chamado “falta de dinheiro no bolso” – já que ele costumava ser muito, muito caro em todos os sites e lojas em que eu o via –, protelei por mais de um ano depois de seu lançamento para finalmente tê-lo em mãos (e não por mérito próprio, mas sim por presente de aniversário – aliás, Adauto, você marcou minha vida me dando de presente um dos livros que mais queria ler e me agradaram na vida: obrigado). Esse hiato de tempo longe de tê-lo em mãos para finalmente lê-lo, entendê-lo e formar minha opinião sobre foi, acho, extremamente necessário e saudável. Amadureci literariamente, amadureci como escritor; amadureci também de inúmeras outras formas, todas necessárias para que eu pudesse ver, com olhos maduros, críticos e devoradores, a obra que J. K. Rowling, a famosa autora da série de livros mais vendida no mundo – Harry Potter –, havia lançado dizendo ser seu “primeiro livro para adultos”.

Prefiro não enrolar muito dessa vez na introdução, porque, como não acontecia em muito tempo, estou ansiosíssimo e animado para discutir logo de uma vez o porquê deste livro ter se tornado, para mim, um dos melhores livros que já li na vida e um dos que mais me ensinou, emocionou e tocou.

Morte Súbita fala sobre a realidade do vilarejo de Pagford, o qual, afogado em discussões locais, dramas pessoais de seus moradores e suas ambições íntimas e públicas, é o palco para inúmeros acontecimentos valorosos e intensos numa realidade semi-interiorana da Inglaterra. Pagford – que é como qualquer outro lugar do mundo, com os mesmos tipos de pessoas que podemos encontrar em qualquer esquina, com problemas comuns e verdades universais – é o âmbito para o desenrolar de uma trama intrinsecada, complexa, intensa e cheia de detalhes e mistério. Uma grande história sobre um grande mundo – um mundo plural e bem construído, de um pequeno vilarejo da Grã-Bretanha.

Eu não poderia começar a discutir sobre Morte Súbita antes de deixar clara a minha opinião sobre esta literatura, já que as opiniões são normalmente muito divergentes, de pessoa para pessoa, e eu quero deixar logo explícito pra onde o rumo desta resenha vai: eu amei Morte Súbita. Eu sou apaixonado por este livro. E o grande motivo, sem dúvida alguma, que resumiria o que causou o meu encantamento pelas 500 páginas desse livro se resume numa palavra: riqueza. Morte Súbita é um dos livros mais ricos e bem planejados que já li. Extremamente detalhista, com esses detalhes embolados numa linearidade contínua, sem falha alguma no ritmo que a história pede e é colocada, que simplesmente flui entremeada em mistério e nas doses inesgotáveis de pluralidade de enredo e profundidade de personagens, Morte Súbita é uma obra que, intensa e rítmica, nos leva aos descobrimentos do enredo num desbravar impetuoso que se mantém até a última página. Você descobre, entende, junta detalhes e monta o quebra-cabeça principal até as últimas páginas, o que o torna um livro algemador: um livro que prende, cativa.

Aliás, a forma com que J. K. Rowling conseguiu costurar a história de Casual Vacancy é fenomenal. Além do fato de que o fluxo do tempo foi um tanto singularmente – porém otimamente – planejado, o modo o qual tudo, tudo está interligado é absurdamente inteligente e articulado. Como escritor, diria que até quase impossível de se fazer. Cada personagem está, de alguma forma, ligado ao outro; cada trama tem a necessidade de outras para ser continuada; cada ponto pessoal nos personagens é influenciado por motivos que, comumente, vêm de atos e acontecimentos passados, ou necessitam, esperam acontecimentos futuros para terem seus sentidos completos, na trama. É de causar inveja a forma com que tudo é interligado, como uma grande teia de aranha: nada é solto, nada é desligado. Tudo está unido numa rede de informações complexa e sombria que forma o enredo. E esta forma complexa, que é ao mesmo tempo simples de entender e que exige grandes doses de bom senso, com que tudo é organizado é fascinante. Fascinante. Fiquei embasbacado com cada detalhe, encaixe de peças.

Quanto à escrita de J. K. Rowling, acho que não tenho na manga tantos adjetivos para aplaudir. J. K. Rowling é estupenda. É acessível, por vezes lindamente poética; cheia de floreios metafóricos, sem falhas de intensidade, sem deixar com que o ritmo de tudo caia (pois, quando isso acontece, a coisa se torna um desastre). Bastante detalhista – mas sem ser cansativa –, dividida interminavelmente entre a sutileza e a crueza. Isso, na verdade, me chocou um pouco: o jeito com que Rowling consegue ser tão sutil em momentos, e depois transformar a escrita, antes um tanto doce, em algo cru, verdadeiro, real, forte. Isso, na verdade, varia muito dos personagens, e isso também é fascinante: além dela respeitar um tipo de escrita para cada personagem sem perder a própria forma de escrever, o personagem, muitas vezes, mistura-se à narração, e narrador e ser descrito, em momentos brilhantemente escritos (sem confundir o leitor de forma que atrapalhe o seu fluxo de leitura), tornam-se um só. Talvez eu não tenha conseguido descrever aqui o quanto acho isso fascinante: a capacidade de continuar com o próprio estilo, mas alterá-lo levemente para torna-lo condizente com o personagem, e sua personalidade. Fiquei apaixonado por isso.

E por estarmos falando da escrita, talvez agora seja a hora de citar algo considerado muito polêmico nesse livro: a questão dos palavrões. Sinceramente, e perdoe-me se você que está lendo achou o contrário, eu não entendo o porquê de tanto alarde (isso sendo completamente educado, porque eu queria mesmo era usar a palavra “frescura”) por conta de palavrões. Com toda a sinceridade: só porque a autora passou dez anos escrevendo literatura infantil ela não tem o direito de amadurecer sua forma de escrita? Morte Súbita é um livro adulto, e as partes em que continham palavrões necessitavam dos palavrões pelos traços dos personagens que a autora planejou e criou. Acho, honestamente, desnecessária e até ridícula toda a crítica com relação ao palavreado por vezes chulo da autora, na obra. Isso de forma alguma desmerece a qualidade da escrita. Pelo contrário: torna-a mais fidedigna e completa. Eu digo sem sombra de dúvidas que personagens como Krystal Weedon, Terri Weedon e alguns outros que enunciam o tão polêmico palavreado não teriam tido a profundidade e convencimento que tiveram/apresentaram se alguns caralhos e porras não houvessem sido escritos. É preciso, sim, analisar o contexto do personagem, entender o porquê, emocional, psicológica e até geograficamente aquele ser disse o que foi dito, seja de forma chula, seja de forma pseudocorreta. Dessa forma, sim, será entendido os motivos, e compreendida a autora e sua criação. (No entanto, honestamente, acredito que é preciso um pouco menos de falso moralismo, também)

E, já que foi dita a palavra “polêmico”, é necessário dizer, também, que Morte Súbita é um livro extremamente polêmico pela pluralidade de assuntos que se propôs a trabalhar. Pedofilia, transtornos mentais, bullying, ambição, ciúmes, homoafetividade (de forma singela, mas satisfatoriamente trabalhada do ângulo que foi proposta), inescrupulosidade, traição, e inúmeros, inúmeros, inúmeros outros que, infelizmente, não tive a ideia de listar para aqui escrever: os mais diversos assuntos são incrivelmente trabalhados, descritos e pontuados, sejam dentro das várias subtramas, sejam na trama principal, e de uma forma franca e madura, sem que o livro se pareça com um drama mexicano. E, para os despreparados de plantão – como eu fui pego de surpresa –, às vezes a franqueza da autora é digna de uma tapa na cara justamente pelo nível de introspecção e profundidade psicológica com que se propõe a trabalhar alguns personagens e pontos do enredo. Eu destacaria, sem sombra de dúvida alguma, Bola/Stuart, Sukhvinder Jawanda e Krystal Weedon como perfeitos, perfeitos exemplos do que acabei de dizer. São personagens chocantes, em seus próprios jeitos, em suas singularidades. Como a maioria, na verdade.

O que consigo perceber, aqui, depois de tudo o que foi dito, e lembrando-me das inúmeras críticas e resenhas lidas/ouvidas, é que Morte Súbita é aquele tipo de livro que ou você gosta profundamente e se encasqueta por lê-lo e descobri-lo, ou você logo se cansa e desiste. É claro que foi um livro muitas vezes mal entendido e julgado de forma errada por muitas pessoas, mas eu consigo compreender o que realmente pôde incomodá-las. Na verdade, isso, pra mim, faz o livro parece ainda mais intenso e bom: não seria uma coisa qualquer que causaria tamanho furor como o primeiro livro adulto de Rowling causou. E essa é uma das provas de que é um livro que precisa ser lido – e mais: que precisa se tornar um clássico moderno.

Eu ri, chorei, enfureci (muitas vezes no telefone, trêmulo, com minha amiga Mayara no telefone, que havia lido antes de mim e dividiu comigo todos os sentimentos e sensações durante a leitura) e senti muitas outras coisas lendo Morte Súbita. Foi um livro que me proporcionou uma quantidade e intensidade de sensações que eu só havia experimentado antes com poucos livros, e isso o tornou, para mim, uma leitura inesquecível. Inesquecível. Eu realmente sou outro depois que li Morte Súbita, assim como fui outro quando li Comer Rezar Amar de Elizabeth Gilbert (livro que gabo sempre por ser meu livro favorito), e também como acontecia quando terminava de ler cada um dos livros do bruxinho Harry Potter.

Estou percebendo agora que talvez esse seja o trabalho de J. K. Rowling na minha vida: me transformar. Me amadurecer. E me enriquecer. E, mais uma vez, depois de outras sete, ela conseguiu.


Você tem algo a acrescentar? Alguma crítica a fazer? Discorda, concorda com o quê? Deixe nos comentários!

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

ensaio: CAPAS DE LIVROS - SOBRE PADRÕES DE MARKETING



Todo mundo costuma confundir pessoas famosas, sejam autores, sejam cantores, sejam atores. É muito mais fácil, é claro, você confundir Keira Knightley com Natalie Portman, ou Julia Roberts com Sandra Bullock, já que são parecidas fisicamente e estão direto aparecendo fisicamente nas mais populares mídias, do que confundir escritores, no entanto, que ainda estão numa margem um pouco distante em comparação a alguns outros tipos de arte mais adorados pelas pessoas (você sabe que é verdade – ainda que este quadro esteja, graças aos céus, mudando). Às vezes, os nomes são parecidos e você faz uma confusão ali, outra acolá (que nem meu amigo que insiste em confundir toda maldita vez Robert Jordan, autor de A Roda do Tempo, com “o carinha que escreveu o Percy Jackson”), mas nunca é nada demais, é só uma doidicezinha básica que nos acomete de vez em quando. A doidice, no entanto, que me fez confundir essas três autoras – a situação é muito pior, vejam: não confundi só duas, confundi três (o desastre foi consideravelmente mais desastroso que o normal) –, não teve muita explicação. E foi tão certa quanto, às vezes, algumas pessoas pensam que seus sonhos tidos pelas madrugadas aconteceram de verdade, em algum momento do passado: eu tinha certeza que elas eram a mesma pessoa. Como não poderiam ser?

Emily Giffin, Jane Austen e Nora Roberts.


Os títulos dos livros eram meio parecidos (na minha cabeça), os nomes também (céus, como diabos alguém vai confundir Emily com Nora?); as capas não se diferenciavam tanto – principalmente as das duas primeiras –, e os enredos sempre se assemelhavam de alguma forma. Era sempre um amor, que no meio tinha um drama, e depois se tornava algo legal de onde poder-se-ia tirar uma mensagem bacana pra sua vivência amorosa e eu sentimental. Não estou desprezando esse tipo de livro, veja bem: eu leio este tipo de literatura. Sou apaixonado por este tipo de texto. O que estou tentando explicar aqui é o quanto que alguns pontos dos estilos dessas escritoras de certa forma são próximos a ponto de me fazerem ver, na tríade, uma só pessoa. Pensando bem, na verdade, talvez eu esteja até agora tentando ver exatamente como diabos eu confundi essas autoras. Acho que o mais absurdo é ter metido a Jane Austen no meio. Ela tem quantos anos de diferença entre Roberts e Giffin, cem?

O fato é que eu aprendi a diferenciar as três grandes autoras – nunca vou me esquecer da cara de desprezo divertido que a minha amiga Jeniffer (a proprietária do Meu Outro Lado, aliás) fez pra mim quando eu disse que achava que Orgulho e Preconceito havia sido escrito pela Nora Roberts –, e isso de confundir escritores nunca mais aconteceu. Entrei de cabeça e estou afogado até agora nesse mundo bibliófilo maravilhoso, e aprendi a reconhecer nuances de obras, escritores e enredos – até porque resenho, então isso é algo necessário: você conhecer traços, detalhes de estilos de escritores. E é com esse novo ótimo conhecimento obtido pela experiência que finalmente percebi que existe realmente como nos confundirmos com algumas coisas na literatura, e que isso, de certa forma, é normal. Afinal: com uma enxurrada tão grande de literaturas e novos escritores nascendo pra todo lado, é impossível não cometer algumas confusõezinhas.

Mas o fato é que algumas coisas são propositais. Estão ali para causar certa confusão na cabeça do leitor justamente por uma questão de puro marketing. Eu realmente peço perdão a qualquer mágoa que posso causar em citar esse autor que é tão assustadoramente aclamado pelas pessoas e crítica, mas acho que não tem como fugir desta citação: Nicholas Sparks é o maior exemplo disso. Existe um padrão para esse autor, um padrão criado para que seus livros sejam identificados sem que você se preocupe muito em olhar a sinopse. É um padrão feito para você pensar: “Opa, é livro do Nicholas Sparks”. O exemplar é reconhecido tão obviamente que você, se é fã, já pega o livro com pressa, ou se não gosta do autor, já nem se digna muito em olhá-lo. Isso, apesar de ser um golpe de marketing e divulgação bastante astuto, tem seus furos quando se é considerada essa gama de pessoas que nem ao menos olha o livro por saber que o mesmo já é do autor em questão. Sparks escreve sobre romance, obviamente: este é seu estilo. Entretanto, existem obras e enredos do mesmo que sim, se divergem daquilo que é seu costumeiro e que possuem uma originalidade interessante, fatores que contribuiriam, sem dúvida alguma, para que os livros de Sparks alcançassem mais leituras e estantes. Não vou afirmar que algumas de suas publicações não alcancem leitores que não exatamente apreciam romances e seu estilo, mas se os designs de capa se alternassem, saíssem do que é comum – não fosse quase sempre um casal caucasiano se olhando e quase se beijando –, quem sabe o quanto mais a escrita do autor poderia alcançar? Um grande amigo meu (Jônatas, dono do Alma Crítica), leitor assíduo do autor, já me afirmou que existem leituras diferenciadas do que se tem ideia do que seja “livros de Nicholas Sparks”: livros lotados de exacerbado sentimentalismo. “Ele é realmente um bom autor”, ele me disse, “O problema é que todo mundo pensa que Sparks é só Querido John e Um Amor para Recordar, e não é bem assim”. Ele citou Um Homem de Sorte e O Melhor de Mim como leituras que apresentam propostas diferentes, do Nicholas Sparks. Vão entrar, sem dúvidas, pra minha lista de leitura, para que eu realmente tire isso a limpo. (Quando ela folgar um pouquinho, de preferência)

E não é só com Nicholas Sparks que isso acontece, aliás. Se você prestar atenção nas capas dos livros de Emily Giffin (sempre seu nome em letras garrafais escrito por cima de um fundo opaco, as capas com uma fotografia romântica e paisagista), nos de John Green (aquelas capas com estilo divertido, nerd, com fontes diferentes do usual), nos de Harlan Coben, nas de Cecelia Ahern (ela é quase o Nicholas Sparks versão feminina, nessa questão de capas – o último lançamento pela editora Novo Conceito deu uma diferenciada no que estava sendo publicado, graças aos céus), e de todos aqueles romances de banca, você notará padrões. É claro que padrões são estritamente necessários em alguns casos, como em séries de livros (como Percy Jackson, Harry Potter, Beautiful Creatures, Ciclo da Herança, As Crônicas do Gelo e Fogo) e nos casos de um design de capa padrão de todos os livros de alguma editora (o selo Alfaguara da editora Objetiva é exemplo), mas quando este design se torna taxador e obviador de uma obra por conta de um autor, eu pessoalmente discordo. Há um grande risco de tirar a identidade do livro e torna-lo vítima de prévios conceitos de leitores.

Como alguém que pretende um dia viver apenas de literatura e ter obras publicadas, honestamente não apoio este tipo de padrão de marketing e, ainda num espírito de total franqueza, não gostaria nem um pouco que fizessem isso com minhas obras. Consigo entender todo esse método de divulgação, e até consigo pensar que isso possa ser algo mais barato para as editoras (para quê pagar por outra ilustração de capas, e possivelmente por outro ilustrador, enquanto se tem ali um modelo de design pronto e viável?), e também inúmeros outros motivos e dificuldades de editoras no Brasil hoje em dia para bancar publicações e muitos dos caprichos de escritores, mas, como aspirante a escritor profissional, não concordo. Ainda que algo mais barato, ainda que algo não tão espalhafatoso ou As Crônicas do Gelo e Fogo (que, pra mim, é um exemplo cabal de um design de capa impecável – esse ilustrador francês, o qual o trabalho deve custar mais do que qualquer um de nós, reles mortais, pode pagar, é realmente brilhante), acredito totalmente que diferenciar e inovar são sempre opções válidas para surpreender e encantar aqueles que as editoras, os escritores, os revisores e todos os que trabalham com esse/nesse meio editorial querem impressionar e agradar: os leitores.


Mas acho que, talvez, tenhamos que esperar o dia em que a literatura no Brasil seja tão apreciada e valorizada como é em países como Inglaterra, Estados Unidos, França – e não vamos tão longe: Argentina também, logo aqui do lado. Talvez tenhamos que esperar este dia para que possamos exigir de nossas queridas e quebradiças editoras tudo o que realmente queremos quanto a publicação, divulgação e design. O que coloca sempre nós, que escrevemos críticas em relação ao mundo editorial brasileiro, em saias justas e entre a cruz e a espada. Afinal: entender o lado da editora? Entender o lado do escritor? Entender o lado do leitor?

Se possível, todos. Sempre todos.



O que achou do ensaio? Você concorda comigo, discorda? Deixe sua opinião nos comentários!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

de R. J. Palacio, WONDER (2012)

Título no Brasil: Extraordinário;
Quem escreveu? R. J. Palacio;
Editora: Intrínseca;
Tradução: Rachel Agavino;
Número de Páginas: 320;
Gênero: Infanto-Juvenil, Drama;
Nota (de 0 a 5)5.





Consegui Extraordinário – naquela linda primeira versão de capa, a “vermelha” – quase no período de lançamento e por um preço ótimo, revendido pela amiga de uma amiga. Dezoito reais foi o que paguei para ter o livro que tantos estavam falando sobre, e que, como sempre, eu me perguntava o porquê de tantos comentários. Curioso foi que eu simplesmente não quis lê-lo logo que comprei, sendo que estava realmente interessado antes de tê-lo em mãos. Eu acho que estava em outra vibe literária. Mas o fato é que, após eu ter o rosto praticamente enfiado dentro do livro por uma colega que havia lido o mesmo e se apaixonado pela história, eu finalmente decidi lê-lo. Eu precisava de uma escrita leve, pela qual minha leitura fluísse sem esforço. E escolhi Extraordinário para isso. O que eu posso dizer, pra início de conversa, é que foi uma sapientíssima decisão.

Esse livro fala sobre August (ou “Auggie”), garoto o qual cresceu com uma deformidade facial por conta de uma rara síndrome genética. Vivente de uma família maravilhosa e que sempre o cercou de amor e cuidados, Auggie se vê num novo mundo quando decide finalmente ir aonde todas as crianças comuns vão: à escola regular. É nesse novo mundo, com novas pessoas e a verdadeira realidade sobre seu eu que Auggie não só enfrentará os desafios e preconceitos de uma sociedade confusa – e por vezes perversa –, como também transformará a realidade e as mentes ao seu redor.

Extraordinário, apesar de estar “escondido” por detrás de uma narrativa “fictícia” – já que a própria autora deixou claro que muito desse livro é baseado em suas experiências pessoais –, é um livro essencialmente crítico. Foca, pelo ponto de vista de várias pessoas – não só do protagonista, Auggie, mas como também de seus amigos, dos amigos da irmã etc. –, no desafio que é viver na pele desse garoto tão especial, especificamente no quão confusas podem ser as pessoas defronte ao que lhes é diferente. Pessoalmente, eu me recuso a acreditar que o ponto central deste livro é o preconceito. Ao menos não completamente. Obviamente existem pessoas realmente preconceituosas no livro – os pais de Julian são a expressão completa da intolerância –, porém o livro trata não exatamente do pensamento preconceituoso, mas da incerteza e confusão na mente das pessoas perante o que não lhes é comum. A prova disso é que a maioria dos personagens do livro não exatamente odeia Auggie por sua aparência, mas sim tomam um choque ao vê-lo por antes nunca terem visto alguém como ele, e também temem lidar com isso. O foco do livro, então, essencialmente, eu digo que é o aprendizado: daqueles que estão ao redor de Auggie, daqueles que sempre conviveram com Auggie, dos que se afastaram de Auggie por qualquer motivo e, obviamente, do próprio Auggie.

O ensinamento do quão magnífico pode ser o poder de mudança nos corações é aquilo que mais me encantou no trabalho de R. J. Palacio. A verdade é que Auggie não é um simples menino: ele é uma força da natureza. Um garoto completamente comum, completamente comum, que tem a força e o poder de, apenas sendo ele mesmo, transformar e ensinar tanto às pessoas à sua volta. Essa “comunzeza” que a autora faz sempre, sempre questão de ressaltar, aliás, é muito importante: que Auggie é um garoto como todo e qualquer outro, com sentimentos, com gostos; que gosta de brincar no recreio e é fã de Star Wars. Esse trabalho de introspecção psicológica e emocional que R. J. Palacio fez, não só com o personagem principal, mas com todos os outros secundários, para demonstrar o que se passa em suas mentes e o quanto todas as situações os afetam, foi fascinante, a meu ver. Com uma indiscutível leveza e simplicidade, R. J. Palacio muito corretamente mergulhou no tema trabalho e mostrou tudo como realmente é.

Essa crueza do livro, aliás, por vezes é realmente chocante. Se você for alguém sentimental e que se envolve de verdade com os personagens de uma trama, como eu, então prepare-se para momentos de real choque. Esse livro realmente mexe com as suas emoções, se você se permitir levar por ele. Eu me vi rindo para as páginas desse livro; me vi realmente furioso com situações (e eu não sou do tipo de pessoa que se irrita facilmente); me vi profusamente chorando com outras (não me lembro de ter chorado assim com um livro desde que vi Ninfadora Tonks e Dobby morrerem em Harry Potter); e por aí vai. É também digno de nota que não é apenas Auggie e sua vida em si que são trabalhados, mas sim toda a realidade ao seu redor e todos aqueles que estão envolvidos em sua vida – e é por esse ponto que acho Extraordinário um livro com sua riqueza. R. J. Palacio trabalhou toda a teia que envolve August, não apenas o próprio, e conseguindo com verdade ser aqueles personagens na escrita. A abrangência é ótima, e também o teor de “mistério”, “suspense” (por falta de uma palavra melhor) é muito, muito bom. Existem pontos de vista, personagens e suas índoles que mudam de uma hora para a outra, e eu, sim, por três ou quatro vezes me vi embasbacado por ter sido pego de surpresa por R. J. Palacio. O que parece muitas vezes não é o que é – esse é outro ponto muito trabalhado por ela nessas 320 páginas. Acho que é por isso que nunca devemos, como diz a contracapa, julgar um livro pela capa. Eu me surpreendi com essa leitura como não pensei que me surpreenderia.

E, falando dos personagens: muito, muito bons. Existem personagens nesse livro que realmente conquistam você e o surpreendem de verdade. Pessoalmente, gostei muito de Jack – o melhor amigo de Auggie – e acho que me identifiquei com ele em muitas coisas. A sabedoria e sensatez de Sr. Buzanfa também é lindamente cativante. A doçura e maturidade de Summer também são lindas, lindas de se ler; o trabalho feito por Palacio na introspecção de Via, a irmã de Auggie, é realmente muito bom – a força, o amor dessa irmã são simplesmente emocionantes; o teor de redenção, em geral, também é um amor de acompanhar no decorrer do livro. Mas acho que os que mais me tocaram, sem sombra de dúvida alguma, foram os imensuravelmente maravilhosos pais de August. E Daisy, a cadela da família Pullman – a qual é uma metáfora maravilhosa e traz um grande ensinamento para os leitores.

Extraordinário me ensinou coisas preciosas que vou levar para o resto da vida. Esse livro me mudou, e é aquele tipo de livro que a gente acaba querendo que todo mundo leia. É um livro sobre humanidade, ensinamentos e, principalmente, amor. E não tenho dúvidas em dizer que se essas três coisas fossem ventiladas mundo afora, pessoas como Auggie não precisariam se representadas num livro para provar o quão comuns e extraordinárias são por simplesmente serem quem são. E nada mais.



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