terça-feira, 26 de agosto de 2014

de A. N. Roquelaure (Anne Rice), THE CLAIMING OF SLEEPING BEAUTY (1983)


Título no Brasil: Os Desejos da Bela Adormecida;
Editora: Rocco;
Tradução: Amanda Orlando;
Gênero: Ficção Erótica;
Nota (de 0 a 5)5.




            Depois de ter lido Chore Para o Céu, ficção histórica de Anne Rice, me apaixonei completamente pela autora. Caí, literalmente, aos pés da escrita brilhante, absurdamente poética e inteligente da considerada rainha do gótico moderno. Ela foi para o pódio magnífico da minha vida literária que antigamente pertencia apenas a Elizabeth Gilbert e J. K. Rowling, o pódio de “autores favoritos”, e foi exatamente após a última página do livro já citado ser lida que admiti pra mim mesmo: preciso ler tudo dessa mulher. E foi o que comecei a fazer – comprar livros de Rice e iniciar minha jornada pela brilhante história literária da autora. Foi com uma amiga que consegui a trilogia da Bela Adormecida, mas já muito antes de compra-la eu havia ouvido falar da história e as opiniões de quem leu – e, bem, é quase unanimidade a reação das pessoas ao lerem-na: repulsa. Susto, horror. Uma amiga minha leu antes de mim, e a reação foi a mesma – e olha que foi uma pessoa que suportou muito mais coisas chocantes na Literatura que eu. Pensei “pronto, lascou”. Mas ainda assim não desisti da leitura. E, com toda a sinceridade: que bom que não.

            A trilogia da Bela Adormecida de Anne Rice se trata de um retelling do conto original da Bela Adormecida – ou seja: trata-se da base da história que já conhecemos do conto de fadas, porém recontada por outra perspectiva. Por alto, podemos defini-la como uma perspectiva sexual. Nesse remodelado universo, Bela é despertada por um príncipe já por um ato sexual, e é por um acordo de seu mundo, onde príncipes e princesas de reinos devotos a um grande reino principal são enviados como tributos, e por ter sido despertada pelo dito Príncipe do reino principal, que Bela é obrigada a servir não só a ele, mas também a toda a corte de um reino famoso por sua educação de futuros e exemplares monarcas através de uma escravização sexual completa, onde a dor e o prazer não possuem distinção e os limites da entrega e do pudor são colocados em teste.

            Não é um livro de fácil leitura, de fato. A escrita Anne Rice que vi pela primeira vez, no livro Chore Para o Céu, trazia uma dificuldade de leitura imensa por conta de um rebuscamento vocabular – em Os Desejos da Bela Adormecida, isso já acontece por seu conteúdo. Trata-se realmente de um livro pesado, absurdamente forte, onde o sexo protagoniza as cenas de forma fortíssima – e não, não um sexo atraente, sexy, como em outras conhecidas obras de literatura erótica, mas um sexo pesado. A exploração sexual neste livro de Anne Rice traz como ponto focal, na maioria das vezes, especificamente a entrega despudorada e sem limites. Ou seja: as cenas são fortes, impetuosas, dolorosas e por vezes angustiantes, mas necessárias para o cumprimento do que foi, ao meu ver, o objetivo da autora.

            E é exatamente aqui o ponto onde eu gostaria de chegar: não foi o erotismo o foco de Rice. Não foi do objetivo da autora fazer seus leitores sentirem ondas de excitação e divertirem-se com a leitura de Os Desejos da Bela Adormecida. Os objetivos de Anne Rice, ao meu ver, foram claramente dois: a exploração dos limites e o choque.

            É clara a vontade imensa de Anne Rice trabalhar com limites. Seu trabalho é claramente trabalhar o sexo não só por um viés prazeroso, nem mesmo só por um viés doloroso, mas sim os pontos máximos de todos os pontos de vista que o ato sexual pode possuir. E as formas com que Anne Rice planejou alcançar e desenrolar os limites sexuais dos personagens de seu romance foram justamente o que causaram tanto horror a tantos leitores. Foram utilizadas mentes de personagens inescrupulosos e impetuosos; resgatadas e criadas horrendas fantasias sexuais; utilizados métodos, objetos, posições, abordagens, e outros variados utilitários para trabalhar essencialmente com a questão: até onde o ato sexual e todas suas dimensões podem chegar? Esse é o epicentro, em meu ponto de vista: o trabalho não com o sexo pelo sexo, nem com o sexo pelo comum, mas o sexo por seus limites. E só quem tem sangue frio e não tantas amarras com o politicamente correto que pode, de fato, compreender o fator de essência da obra.

            Obra que, aliás, discordo novamente com o que é imensamente dito por muitas resenhas por aí: não se trata de pornografia. Pornografia, ao meu ver, não está no conteúdo do que é escrito, ou toda obra que trabalha com sexualidade, que demonstra o sexo, tratar-se-ia de pornografia. Pornografia está na forma de escrita e demonstração daquele conteúdo. Anne Rice em nenhum momento é rude, suja ou depreciativa em sua escrita: trata-se de uma obra de leitura extremamente fluida, até mesmo fácil, mas que mantém os traços costumeiros da autora: a inteligência da escrita e o uso correto de palavras, principalmente na forma sutil e educada com que descreve os momentos sexuais, o que não deixa, em questão de escrita, o que é lido repugnante. O choque, aqui, será com o conteúdo, e não com a escrita.

            E, pois bem: o choque. No último domingo, dia dez, assisti à ótima entrevista da cantora Pitty com a jornalista entrevistadora Marília Gabriela, onde ambas se encontraram para as famosas entrevistas reveladoras e inteligentes da profissional. Foi em algum momento da entrevista que, discutindo sobre a realidade do Rock no Brasil, ambas entremearam-se na conversa sobre dois tipos de Rock: um Rock mais ameno e um Rock mais pesado, áspero. E Pitty disse palavras que me fizeram imediatamente fazer uma correlação com a obra de Anne Rice: “O que é limpo, o que é aceitável, ele obviamente é mais fácil de chegar nos lugares. O que é mais diferente, áspero, é uma coisa que é mais segmentada. Não é tão popular. [...] Uma estética [...] que é feita pra incomodar...” E então Marília Gabriela completa com a palavra perfeita para o que quero alcançar: “Pra te provocar. Pra provocar uma reação”.

            Provocação. Ato de incomodar. Cutucar. Sei que é um pecado terrível prum resenhista tentar adivinhar as intenções de um escritor, mas pela experiência que possuo de Anne Rice sei que posso arriscar isso: foi proposital. E previsto – e, certamente, premeditado, o rebuliço sobre esta obra. Anne Rice trabalha homossexualismo explícito, em suas obras; Anne Rice sempre trabalhou com a luxúria explícita, lasciva, em seus escritos. Anne Rice trabalha com ideais religiosos, crenças e dogmas; Anne Rice cutuca verdades sentimentais, emocionais e de diversas outras dimensões do ser humano em seu trabalho de escrita. Um escritor que trabalha com tantos pontos delicados não faz isso sem saber o que está fazendo, ou inocentemente. Anne Rice busca e sempre buscou cutucar, incomodar, provocar, fazer seu leitor pensar – e, ora, por que em sua literatura erótica seria diferente? O que vi nas páginas de Os Desejos da Bela Adormecida foram as seguintes provocações, dentre inúmeras outras: “Me deixe cutucar nos recantos obscuros de você...” “Você aceita isso?” “Como você reagiria a isso?” “Isso te dá nojo?” “Você consegue aguentar mais algumas páginas?” “O quanto de você existe aqui?” – e é exatamente isso que faz, ao meu ver, um autor ser esplendoroso e inigualável. A capacidade de chegar até o ser humano. Anne Rice faz isso com absoluta perfeição nestas quase trezentas e cinquenta páginas, já que, ora: se é um livro que causou tanto choque e foi tão odiado por causar tanto, de fato trata-se de um ótimo livro.

            Mas o livro também não se trata apenas de sexualidade e erotismo: Os Desejos da Bela Adormecida traz uma inteligente e criativa releitura para o clássico conto de fadas. Chocante, sim; angustiante, sim; cruel? Bastante. Mas indubitavelmente inovadora e interessante. Nesse doido mundo onde o lascivo é bateria dos personagens (Anne Rice, numa entrevista sobre a obra, disse: "eu queria fazer a Disneylândia do S&M"), o medieval é simples e convincentemente implantado, e alguns vestígios do clássico e reconhecido teor gótico de Anne Rice ainda podem ser percebidos cá e acolá; os personagens são elegantemente apresentados ao leitor, basicamente divididos entre aqueles escravizados e aqueles não escravizados, e, atraindo o foco para os escravizados sexualmente, outra questão também é interessantemente trabalhada por Anne Rice: o aprendizado e moldagem de um alguém no meio em que se encontra. Personagens como Princesa Lizetta e Príncipe Gerald são mostrados como alguns dos que foram manipulados de acordo com o que é ensinado e esperado dos escravos – um processo de lavagem cerebral bizarro, porém bem construído –, mas foram Bela e Príncipe Alexi em quem Rice aumentou o zoom e trabalhou os caminhos de todo o processo da aceitação e entendimento do que é vigente em derredor, e é um processo interessantíssimo de se ler.

            E mais, para finalizar os comentários sobre esta ótima obra: não acho que se trate de um conteúdo machista, como muito li ser taxada. Machismo, numa definição simples, é um meio onde o homem encontra-se em posições mais importantes no derredor e faz uso de força, psicológica ou bruta, para repreender, humilhar ou diminuir mulheres. E, bem, quando há uso de algum tipo de diminuição ou repreensão com personagens neste livro, o sofredor e o acusador variam de sexo. Traduzindo: homens e mulheres aqui batem, fazem loucuras sexuais e exploram outros homens e mulheres assim como homens e mulheres sofrem dos que infringem (homens ou mulheres). O fato de Bela ser a personagem em quem tudo vai ser demonstrado não faz dessa obra machista, já que homens também no universo criado sofrem do que Bela sofre – e, bem, na verdade sofrem coisas bem piores do que ela. E, sinceramente falando, as personagens femininas são as mais cruéis desse livro (kkk).

            Como fã de Anne Rice, eu precisava dizer absolutamente tudo o que pensava sobre a obra e tudo com o que discordava do que já havia lido anteriormente – por isso o tamanhão da resenha. E, de fato, ela é o meu ponto de vista sobre a obra, que eu sei que é divergente do da maioria, e isso não o faz melhor ou pior. Faz ser só mais um ponto, dentro tantos outros diversos espalhados pelo mundo.


            A. N. Roquelaure, ou Anne Rice – que pseudônimo classudo! –, concebeu mais uma de suas obras brilhantes, explorando o mundo da sexualidade, do prazer, da dor e do pudor como poucos antes e, possivelmente, depois. De uma coragem extrema e da inteligência imensurável, aplaudo mais uma vez a autora, que só provou ser uma das melhores que já existiram, ao meu ver. É um livro para poucos, pois poucos possuem estômago; entretanto, para quem o percebe e compreende, pode tratar-se de uma inesquecível, intrigante e instigante obra. Se for consumir, esteja pronto, e abra sua mente! É a única forma de fazê-lo com exatidão.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

de Yann Martel, LIFE OF PI (2001)


Título no Brasil: As Aventuras de Pi;
Editora: Nova Fronteira;
Tradução: Maria Helena Rouanet;
Revisão: Rachel Rimas;
Gênero: Ficção (?);
Nota (de 0 a 5)5.




Ter As Aventuras de Pi em mãos foi um golpe de sorte. Não deveria ser meu; comprei prum amigo e, quando vi que tinha em mãos um livro de um filme que queria ver há muito tempo, decidi ficar com ele e dar um outro ao tal amigo – já que, bem, é uma regrinha básica para a maioria de nós, leitores, sempre ler o livro antes de ver o filme em que foi baseado (e eu sigo essa regra feito o chatérrimo bookaholic que sou). E, como dito: um golpe de sorte. E que sorte. Pois acabei tendo em mãos um dos melhores livros que li esse ano – e, quem disse que não?, da minha vida.

As Aventuras de Pi conta a história, baseada em fatos reais, de Piscine Molitor Patel – que, por razões inúmeras, rebatiza socialmente a si mesmo como Pi. Um menino inteligente e de mente aberta, vegetariano, que é ao mesmo tempo cristão, muçulmano e hindu (sim), descobre que precisa deixar a Índia com seus pais, irmão e animais do zoológico onde vive em direção ao Canadá para recomeçarem suas vidas. Na viagem de ida, porém, Pi vê-se num bote com uma hiena, uma zebra, uma orangotango e um tigre (Richard Parker – sim, esse é o nome do tigre, e o porquê dele ter esse nome você também vai descobrir), após o assustador naufrágio do navio Tsimtsum. E são sobre os meses – sim: no plural – que Pi Patel, um jovem sagaz, corajoso e perseverante sobrevive no meio do oceano que você irá saber. E entender. E, com ele, se aventurar.

No meio do livro, eu fiquei me perguntando se o título “As Aventuras de Pi” havia sido realmente uma boa escolha para a tradução do nome original, Life of Pi, no Brasil. O substantivo “aventuras” me passa uma imagem por demais... Romântica, quando se atribui a uma trajetória. É levar o leitor imediatamente a pensar em grandes aventuras mitológicas, sobre um forte, indestrutível e brilhante ser divino à la grega – e foi isso, confesso, que estupidamente me levei a acreditar. E, consequentemente, estupidamente fui jogado para fora do que eu acreditava pelo enredo. Pois foi também assim que foi As Aventuras de Pi, para mim: um soco na cara e no estômago. Assim como um beliscão na consciência, e em muitas verdades que eu achava serem sólidas dentro de mim.

 A primeira parte do livro é brilhante. Trata-se basicamente de uma apresentação de Pi, da mentalidade de Pi e da realidade em que vive; é nesse momento em que o leitor irá conhecer o seu herói. Como dito, e provavelmente deve ter parecido confuso para quem não leu o livro, Pi Patel se trata de um menino um tanto diferente: ele se considera de várias religiões. E é esse o ponto que Yann Martel perfura com maior intensidade e maior foco, nesta primeira parte da obra, lindamente expressando o que quer expressar sem parecer um desesperado espiritualizado que quer converter pessoas – não, nem pense nisso. Sou pessoalmente apaixonado por qualquer coisa que traga discussões sobre religiões – desde entrevistas na TV a livros especializados no assunto –, e encontrei nesse livro uma mina simples, nada pedante e preciosa disso. Preciosa por não querer profetizar, ou dogmatizar, espiritualizar, mas por esclarecer: pelas palavras de um homem sábio, é descrita toda uma vibrante discussão sobre essa realidade pessoal de Pi, sua grande quantidade de crenças religiosas,  o porquê dele ser assim, e o porquê de não ser errado ele ser assim; do porquê todo tipo de crença ter seu valor e sua beleza, apesar de suas grandes obscuridades, e, principalmente: como o seu eu cheio de fé e crenças foi uma grande arma para sua sobrevivência. As Aventuras de Pi é um livro lindamente universal, verdadeiro e corajoso nesse sentido.

É então quando o livro parece mudar de tom. A escrita leve, muitíssimo bem-humorada (o humor inteligente de Yann Martel me arrancou gargalhadas em sua primeira parte) e descompromissada tomba exatamente quando o navio de Pi Patel também tomba, para uma escrita mais dura e seca – e o leitor é levado com a história para o fundo do poço da nova realidade do herói de Martel. Magnífica, essa mudança de tom – do claro para o negrume, onde a tensão de Pi pode ser sentida na pele, quase que literalmente de tão real. É aí então que a história de fato começa. E o que Pi Martel passa em alto oceano, nos meses em que fica perdido... É cruel. Nuamente desenvolvida ao longo do enredo, as provações de Pi são lancinantes: seu estado emocional; seu estado físico; seu estado espiritual; seu estado existencial; seu estado psicológico – tudo, tudo, absolutamente tudo que poderia ser trabalhado em Pi para descrever a história de um garoto perdido em alto mar é trabalhado com perfeição – por isso me atrevo com toda a confiança do mundo a definir Piscine Molitor Patel como um dos mais completos protagonistas que já li.

A trajetória sofrida de Pi é desenvolvida num universo ironicamente “mínimo”: simplesmente um bote, uma engenhoca e imensidões verticais e horizontais (um céu infinito, um horizonte infinito, um oceano infinito). O passo a passo da sobrevivência nesse “mínimo” é acachapante: ver como Pi compreende sua realidade, encontra e constrói suas chances de vida e adapta-se inteiramente à necessidade é incrível, tudo em meio de uma escrita viciante, dinâmica, inteligente, baseada numa ótima pesquisa e inteira repleta de discussões relacionadas aos processos de identificação, entendimento, percepção, dentre outros, de Pi. É também tudo muito cru, seco, quando precisa ser. O que acontece realmente é dito como acontece, e isso me chocou algumas vezes – a ponto de me fazer virar o olho das páginas, tomar um fôlego e só em seguida continuar (claro que isso vai do nível de sensibilidade de cada um, mas acho que nenhum passaria ileso ao que acontece à zebra...). Mas mais interessante mesmo é a... Eu ia dizer “amizade”, mas é tanto mais como menos o que se desenrola entre Pi e seu fiel companheiro, Richard Parker, o tigre que tem nome de gente. O processo de entendimento, compreensão, habituação, rotina, sobrevivência de ambos é... Uau. Uau, de fato. E, por favor, um momento pro derretimento do resenhista: que coisa mais linda, incrível, fofa, fodástica é Richard Parker?! Esse tigre é LINDO, gente! Pelo amor de Deus!!! Fodástico e absurdamente metafórico – pode deixar o leitor doido, doidinho da silva, se ele se permitir pensar sobre todas as metáforas escondidas nas entrelinhas desse livro.

Ao final, enfim, é outro fôlego que a escrita toma nos poucos capítulos da terceira parte do livro – e qualquer informação que eu dê sobre esse fôlego eu corro o risco de dar spoiler, então prefiro deixar meu leitor por ele mesmo descobrir o que acontece (apesar de ser, bem, meio óbvio o principal do desfecho da história). O fim do livro é feito de uma forma que é bastante satisfatória – mas, bem, só. Fiquei meio em dúvida se gostei ou não. Se merecia mais poesia, algo mais inebriante...


Mas isso, um mero milímetro perto de quilômetros de maravilhas, não faria o livro perder nem um pouco seu brilho. As Aventuras de Pi é um livro precioso, um achado; uma prosa de ouro, que merece ser eternizada como um livro inspirador e poderoso. Aliás, por fim, eu finalmente concordei com o título dado no Brasil: As Aventuras de Pi. Porque o caráter de divino nessa história existe. Que não pode ser definida de outra forma além de: um milagre.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Lenha na Fogueira: LADO DE LÁ, PITTY


Com minha criatividade e processos criativos de projetos pessoais borbulhando, percebi que muita coisa ao redor me dá fôlego e recarrega minhas baterias quando eu preciso. E sempre foi assim. Todos nós que trabalhamos com arte temos métodos que nos fazem manter o foco ou então manter a perseverança e vontade – e, como escritor, posso dizer que muitas vezes são essas injeções de criatividade e vontade que nos fazem persistir e alcançar alguns de nossos objetivos.

De métodos: música, cinema, literatura, pintura, escultura, natureza etc. etc. etc. As especificidades são de cada um, e são as minhas que serão mostradas sempre, nessa nova coluna. A Lenha na Fogueira trará pra vocês alguns exemplos do que me dá fôlego e o que me inspira nesse meu processo criativo de escritor, e trará também as razões daquilo dito me instigar tanto!

Espero que gostem da ideia. Espero os comentários de vocês!



música LADO DE LÁ
banda Pitty.



Pitty, de longe, sempre foi uma das minhas maiores inspirações. Desde moleque mesmo que as letras e a sonoridade inovadora da cantora trouxeram pra minha vida o discurso corajoso, inteligente que me instigava a pensar; a mente aberta e corajosa, na qual eu me espelhava pra ser igual; a voz deliciosa, de mulher, puta gênero incrível pra ter representante brilhante, e em português, que me representava: uma grande influência que desde quando gritava que o importante é ser você! marcou minha vida.

Mas foi quando esse incrível novo trabalho, intitulado Setevidas, saiu que eu realmente respirei fundo e confirmei o quanto essa artista é grandiosa. Músicas criativas, inteligentes, bem trabalhadas e profundas, as faixas do Setevidas resgataram o Rock mais denso, obscuro e de raiz da Pitty, muito voltado pra temas um pouco mais lúgubres e uma sonoridade mais obscura.

E o que poderia ser melhor para alguém que escreve sobre criaturas obscuras?

No momento estou em processo de escrita de uma história sobre uma raça fantástica dark, por assim dizer, e uma música deste álbum caiu como uma luva para essa realidade: Lado de Lá, com sua loucura crepuscular e seu ímpeto intenso, quase incômodo, é um prato cheio pro meu processo criativo. Minha escrita ficcional costuma ser enormemente contínua, quase sem pausas pra respirar, com intensos acréscimos de intensos fluxos de pensamento, adjetivos, advérbios e coisas que a deixam às vezes até mesmo lotada (do jeito que eu gosto, hehe), e a vibe inesgotavelmente crescente, rica e impetuosa dessa canção me ajuda a continuar no mesmo ritmo, sem cansar, enquanto ela estiver rolando no meu ouvido. É abrir meu Spotify, colocar a música na repetição por horas e, acredite: consigo escrever por horas (testado: consigo mesmo). E sem perceber cansaço. É tipo energético sonoro.

Pra entrevista que Pitty deu pro blog da revista O Grito, é dito pela cantora que a faixa se trata de um réquiem, e é exatamente essa a sensação que sempre tive da música, tanto por sua sonoridade quanto por sua letra. “Se arrancou, e partiu daqui e levou de mim aquele talvez...”, “Pra quê essa pressa de embarcar na jangada que leva pro lado de lá?” “E o silêncio [...] que atravessou domingo de sol, e eu chovi sem parar...” são trechos que trazem uma atmosfera lúgubre, cadavérica, mas com uma poesia e melodia elegantes no entremeio, o que torna o universo da canção infinitamente instigante, instigante a produzir algo no estilo. Algo mais gótico, culto, sagaz, e poderoso – e, como mexo com criaturas desse porte, no momento, é exatamente esse o perfeito tipo de música pra mim.

Portanto, se trata de uma canção pra inspirar um lado mais obscuro do meu processo criativo. Um lado mais rebuscado, também, poético, e uma música pra não deixar o fôlego acabar. É realmente uma música importante pro meu atual processo criativo, e é pros mesmos fins que indico ela a você, se precisa botar alguma lenha na fogueira! Não só ela, aliás, mas todo o novo álbum da Pitty – exceto a última canção, Serpente, que...

Bem, ela virá em outro Lenha na Fogueira, então é melhor não dizer nada. Fique ligado!