quinta-feira, 31 de julho de 2014

de Robert Galbraith, THE CUCKOO'S CALLING (2013)


Título no Brasil: O Chamado do Cuco;
Quem escreveu? Robert Galbraith (pseudônimo de J. K. Rowling);
Editora: Rocco;
Tradução: Ryta Vinagre;
Gênero: Ficção Policial;
Nota (de 0 a 5)5.





Não fui apenas eu quem teve a agradável surpresa de que um recente livro policial com razoável sucesso na Inglaterra havia sido escrito por ninguém mais, ninguém menos que J. K. Rowling, sob um pseudônimo vago e comum. A autora do maior fenômeno literário da história da Literatura Infantil, Harry Potter, havia agido soturnamente, mas acabou que sua obra policial tornou-se um fenômeno de vendas assim que seu nome começou a ser atrelado a ela oficialmente – e, bem, será assim com tudo que essa mulher se atreva a escrever agora. É claro que fiquei interessado, ora essa: Rowling foi a mulher que descaradamente me empurrou e afogou no amor pela Literatura, e, após a leitura de seu primeiro livro para crescidos (já que “Literatura Adulta” hoje em dia não tem uma conotação muito ortodoxa), Morte Súbita, eu tinha certeza de que essa doce britânica poderia escrever absolutamente tudo o que quisesse. Mas ainda assim a notícia e primícias de O Chamado do Cuco me atordoavam um tantinho: literatura policial? J. K. Rowling? Um novo herói detetive? Aquilo me deixava um tantinho inseguro, e, curiosamente igual a seu primeiro livro para adultos lançado, demorei quase um ano após sua publicação no Brasil para tê-lo em mãos e lê-lo.

E digo: não me arrependo nem um tiquinho de finalmente ter mergulhado nesta incrível história.

Cormoran Strike se trata de um falido detetive particular que, quase num golpe de sorte, é contratado por um cabisbaixo e nervoso homem chamado John Bristow, o qual recruta seus serviços para o assunto o qual notavelmente o perturba: o assassinato de Lula Landry, a incrível, admirável e esplendorosa modelo que três meses antes estampara todo tipo de mídia por conta de seu trágico “suicídio”, quando caiu do alto de sua sacada no terceiro andar de uma construção de luxo. A investigação, agora silenciosamente sob os olhos de Cormoran Strike e sua naturalmente habilidosa e inteligente secretária Robin Ellacott, toma absurdos e intrínsecos caminhos ao longo de uma investigação minuciosa, que revira o passado da supermodelo e daqueles que lhe eram próximos até um desfecho visceral, marcante e acachapante.

O leitor pode sentir-se um pouco incomodado no início da leitura de O Chamado do Cuco – eu entendo aqueles que reclamam que mal conseguiram passar da página cinquenta. O negócio pode realmente ser um pouquinho cansativo: pessoalmente, até mais ou menos a página cem eu olhava com olhos sonolentos e um estado de espírito entediado para aquelas páginas. Elas podem ser um tanto tediosas por serem o início engatinhador do enredo: as sutis primeiras verdades, opiniões, e as rasas primeiras percepções jogadas para o leitor; peças soltas, depoimentos interessantes, porém aparentemente vagos, que só a partir de mais ou menos um quarto da leitura feita começam a perturbar o leitor pelos encontrões que dão com outros fatos e percepções que o confundem, e que, assim, começam a de fato entretê-lo.

A estrutura do livro é feita basicamente em cima dos depoimentos coletados por Cormoran Strike; a falta de participação da mente do personagem protagonista, do detetive, de suas percepções no texto, é o que dá o ar de grande suspense e confusão. De certa forma, me senti deliciosamente perdido pela quantidade de novas suspeitas, novas informações, novas confirmações e mais e mais problemas sendo todos misturados ao longo das quase quatrocentos e cinquenta páginas, e que não sofriam da participação ativa do personagem protagonista (por ser um texto em terceira pessoa, certamente, e perceptivelmente também por decisão da autora em sua narração): não é dito o que é percebido por Cormoran Strike no decorrer do texto, salvas sutis demonstrações mínimas de percepções do detetive. Na maioria das vezes, o leitor é levado às cegas às informações, e, assim, o leitor tem sua completa liberdade de imaginar uma infinidade de possibilidades de resolução do mistério de Lula Landry – o que, ao meu ver, é o que dá o gosto mais delicioso em tudo.

O fato de se tratar, também, de um livro fortemente ambientado no universo londrino só soma. Para quem gosta de descrições de locais, da geografia do espaço onde se passa a história – e principalmente se esse espaço for, ora, Londres! –, O Chamado do Cuco pode ser um mapa útil, relaxante e interessante. Vez ou outra me sentia realmente habitando aquele lugar onde se passava a cena de tão pungente é a forma com que J. K. Rowling nos adentra da história através de seu detalhismo simples. A escrita simples, maravilhosamente fluida, e inteligente, que não força a barra, de Rowling nos dá uma imensa sensação de conforto pelas cenas que vão por entre os mais diversos âmbitos de hierarquias sociais. Cormoran Strike vai de grandes construções do mundo da moda a PUBs envelhecidos e malcuidados do subúrbio – e a demonstração de cada um desses universos é feita de forma fiel, crua, e inteiramente realista.

Aliás, um dos grandes pontos de meditação após o livro pode ser exatamente este: como universos tão diferentes podem estar mais envolvidos do que se imagina. Entretanto, os maiores deles, indubitavelmente, se tratam de duas questões: a fama e o âmbito familiar. É a fama quem destroça Lula Landry, uma personagem brilhante – mais uma vez a proeza de J. K. Rowling em trabalhar magnificamente num contexto de enredo circundando um alguém que já não existe, de fato –, tridimensional, incrivelmente bem construída pelos ao longo da narrativa pelos relatos. A fama, que possui seu lado enegrecido pela necessidade de atenção e que pode levar as pessoas às ruínas pelos mais diversos motivos e caminhos. E as relações construídas ao redor de mentiras, segredos e loucuras quase patológicas que podem ser danosas para toda uma família.

Quanto aos personagens, todos são de um cuidado e veracidade ótimos – convincentes, nada plásticos ou inúteis: quase praticamente todos possuintes de algo a oferecer para o decorrer da história. E humanos, o que é importante dizer. Aqui vai ser tocado um ponto um tanto polêmico que foi gerado em torno da obra de Rowling e que eu acho que merece atenção.

Li muitas resenhas, comentários de resenhas, comentários de vídeos do Youtube – li e assisti bastante coisa sobre esse livro antes de decidir finalmente lê-lo. Das críticas ruins, muito vi sendo dito que era falha, péssima a tentativa de J. K. Rowling de tentar “fazer acontecer” um novo herói detetive. Okay, certo: num mundo onde existe Sherlock Holmes, Hercule Poirot e Myron Bolitar, vir com Literatura Policial de cara com um detetive como protagonista e não acontecer comparação é impossível. Certo, possuímos nossos cânones no assunto, mas, pelo amor de Deus, quem disse que não pode acontecer de outros detetives surgirem na Literatura? Então é isso: precisamos agora esquecer qualquer tipo de escrita moderna que trate de especialistas solucionando casos porque para sempre apenas leremos Sherlock Holmes? Sandice. Para ser agora completamente sincero e talvez ofender alguns corações literários, Cormoran Strike curiosamente me arrebatou de uma forma mais poderosa do que Holmes o fez, quando li Conan Doyle há pouco mais de um ano. E vou dizer o porquê: achei Strike humano. Um dos pontos mais fortes de O Chamado do Cuco é trazer um detetive que passa pelo que qualquer ser humano de carne e osso passa, como dores físicas e dor emocional. Simplesmente aplaudi deveras o fato de J. K. Rowling ter também construído um universo emocional e palpável para Strike e Robin, pois isso me fez acreditar nele como um de nós, e não como uma entidade assombrosamente brilhante, quase um Deus, como Sherlock Holmes foi dito por seu companheiro fiel, Watson. Acalmemos aqui: não estou dizendo que um é melhor que o outro. Mas me senti no dever de expressar minha opinião sobre isso, e que tenho minha preferência, agora.


A capa desse livro é a coisa mais linda desse mundo, aliás; a edição da Rocco, assim como a revisão, encadernação e a diagramação: maravilhosas. Um livro construído em torno das loucuras, pompas e consequências da fama; entre os cigarros, os PUBs, os mistérios de uma Londres nua e crua: O Chamado do Cuco é um grande livro policial. Uma brilhante estreia de J. K. Rowling no estilo, série a qual, sem dúvidas, promete ainda muitas incríveis e arrebatadoras histórias de Cormoran Strike e sua fiel escudeira, Robin Ellacott. Vale a pena conferir!

10 comentários:

  1. Oi Breno, olha eu estou na mesma situação que você estava, desde quando descobri que esse livro foi escrito por minha diva J.K eu fiquei interessada no livro queria ler, mas depois me bateu uma pontada de insegurança, fiquei com medo de me decepcionar, sei que J.K é uma ótima escritora porque como você disse ela é dona de uma obra de muito sucesso e a qual eu sou muito fã, mas O CHAMADO DO CUCO é uma historia muito diferente de Harry Potter e estou com medo de me decepcionar sabe, mas vou dá uma chance a obra e desencanar de vez já que você leu e gostou, sua resenha me convenceu ;)

    me faça uma visita:

    http://voceeoquele.blogspot.com.br/2014/07/resenha-estilhaca-me-vol-01-tahereh-mafi.html

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  2. Esse livro está na minha lista para ler há um tempão e até já tenho ele, mas ainda não li. Amo romances policiais (Holmes e Poirot são divos) e parece que eu também vou gostar muito desse.
    Sua resenha me deu uma nova vontade de ler O Chamado do Cuco. :D
    Beijo

    http://canastraliteraria.blogspot.com.br/

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  3. Na biblioteca da minha cidade tem esse livro, vi ele por lá e não me interessei muito. Mas sua resenha está muito detalhada e da próxima vez que eu for lá, com certeza irei pegar esse livro, parece ser um livro muito bom, espero gostar da leitura. Ótima resenha!
    http://ourrsecret.blogspot.com.br/

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  4. Que resenha enorme! hehehe. Eu fui uma das que não gostei do livro. Acho que li tantas resenhas elogiando o livro que fiquei esperando muito mais e não aconteceu. Como fã do gênero policial, acho que ela deixou a desejar nesse quesito, mesmo sendo uma autora excepcional.

    Blog Prefácio

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  5. Cara, adorei sua resenha e adorei o livro. =)
    Me irrita quando vejo textos/vídeos que criticam autores atuais por utilizar fórmulas já bastante revisitadas, como o detetive e seu ajudante. Isso é extremamente limitador para a literatura e trás perdas para nós leitores. O universo literário está repleto de clichês e lugares comuns que foram repensados, transformados, reconstruídos e isso torna tudo mais plural. O melhor exemplo é a jornada do herói, onde grande parte das histórias de aventura se enquadram pelo menos em parte.

    A forma que o autor vai trabalhar em cima desse clichê é o ponto central da questão, e a J.K. soube trabalhar muito bem, deu uma humanidade ao Cormoran e a Robin, além de uma certa tensão na relação dos dois, que inexiste entre Holmes e Watson ou Poirot e Hastings. Além do fato de ser uma mulher a assistente também é uma mudança na premissa dos "dois cavaleiros que acodem a donzela".
    Também resenhei O Chamado do Cuco, se você tiver interesse em ler:
    http://corujadequinta.blogspot.com.br/2014/07/o-chamado-do-cuco-robert-galbraith.html

    Abraços!

    Fran

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  6. Uau, que resenha! Adorei! Já li muitas resenhas desse livro e cada vez fico com mais vontade de ler. Preciso adquirir logo esse livro! =D

    Até mais!
    Math // de-livro-em-livro.blogspot.com

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  7. Ele tá me chamando faz 1 ano e eu ainda não li! Será minha próxima resenha, com certeza!

    Amei sua resenha, beijocas <3
    http://des-construindooverbo.blogspot.com.br/

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  8. Oiii!!! A sua resenha ficou otima. Ainda não li o livro por medo do q vou encontrar. Afinal, JK, sera eternamente HP. Ainda não li nem Morte Súbita. Morro de medo de me decepcionar. Mas a sua resenha ajudou um pouco. Quem sabe em uma proxima? Abraços
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

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  9. Oi, Breno!
    Olha, eu realmente estou na mesma situação que você estava. Não iniciei a leitura desse livro e já li inúmeras opiniões negativas. Desanimaram-me, até. Entendo esse lance das primeiras páginas serem enfadonhas. Isso geralmente acontece mesmo. Há inícios cansativos e muitas vezes são essenciais para nos ambientar no universo criado pelo autor.
    Compreendi bem cada ponto que você citou e comentou. Você realmente é um resenhista maravilhoso. Sabe como se posicionar de forma clara e enfática. Admito-te por isso e espero ser assim quando eu crescer. Haha
    Parabéns pela excelente resenha e pretendo dar realmente uma chance a este livro o mais breve possível.
    Abraço!

    "Palavras ao Vento..."
    www.leandro-de-lira.com

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  10. Eu tenho o livro e ainda não, sua resenha me deu vontade de ler!
    Amei o teu blog, abraços
    http://leitorinsaciavel.blogspot.com.br/

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