Título no Brasil: Os Desejos da Bela Adormecida;
Editora: Rocco;
Tradução: Amanda Orlando;
Gênero: Ficção Erótica;
Nota (de 0 a 5): 5.
Depois de
ter lido Chore Para o Céu, ficção
histórica de Anne Rice, me apaixonei completamente pela autora. Caí,
literalmente, aos pés da escrita brilhante, absurdamente poética e inteligente
da considerada rainha do gótico moderno. Ela foi para o pódio magnífico da
minha vida literária que antigamente pertencia apenas a Elizabeth Gilbert e J.
K. Rowling, o pódio de “autores favoritos”, e foi exatamente após a última
página do livro já citado ser lida que admiti pra mim mesmo: preciso ler tudo
dessa mulher. E foi o que comecei a fazer – comprar livros de Rice e iniciar
minha jornada pela brilhante história literária da autora. Foi com uma amiga
que consegui a trilogia da Bela Adormecida, mas já muito antes de compra-la eu
havia ouvido falar da história e as opiniões de quem leu – e, bem, é quase
unanimidade a reação das pessoas ao lerem-na: repulsa. Susto, horror. Uma amiga
minha leu antes de mim, e a reação foi a mesma – e olha que foi uma pessoa que
suportou muito mais coisas chocantes na Literatura que eu. Pensei “pronto, lascou”. Mas ainda assim não
desisti da leitura. E, com toda a sinceridade: que bom que não.
A trilogia da Bela Adormecida de
Anne Rice se trata de um retelling do conto original da Bela Adormecida – ou
seja: trata-se da base da história que já conhecemos do conto de fadas, porém
recontada por outra perspectiva. Por alto, podemos defini-la como uma
perspectiva sexual. Nesse remodelado universo, Bela é despertada por um
príncipe já por um ato sexual, e é por um acordo de seu mundo, onde príncipes e
princesas de reinos devotos a um grande reino principal são enviados como
tributos, e por ter sido despertada pelo dito Príncipe do reino principal, que
Bela é obrigada a servir não só a ele, mas também a toda a corte de um reino
famoso por sua educação de futuros e exemplares monarcas através de uma
escravização sexual completa, onde a dor e o prazer não possuem distinção e os
limites da entrega e do pudor são colocados em teste.
Não é um livro de fácil leitura, de
fato. A escrita Anne Rice que vi pela primeira vez, no livro Chore Para o Céu,
trazia uma dificuldade de leitura imensa por conta de um rebuscamento vocabular – em
Os Desejos da Bela Adormecida, isso já acontece por seu conteúdo. Trata-se
realmente de um livro pesado, absurdamente forte, onde o sexo protagoniza as
cenas de forma fortíssima – e não, não um sexo atraente, sexy, como em outras
conhecidas obras de literatura erótica, mas um sexo pesado. A exploração sexual
neste livro de Anne Rice traz como ponto focal, na maioria das vezes, especificamente
a entrega despudorada e sem limites. Ou seja: as cenas são fortes, impetuosas,
dolorosas e por vezes angustiantes, mas necessárias para o cumprimento do que
foi, ao meu ver, o objetivo da autora.
E é exatamente aqui o ponto onde eu
gostaria de chegar: não foi o erotismo o foco de Rice. Não foi do objetivo da
autora fazer seus leitores sentirem ondas de excitação e divertirem-se com a
leitura de Os Desejos da Bela Adormecida. Os objetivos de Anne Rice, ao meu
ver, foram claramente dois: a exploração dos limites e o choque.
É clara a vontade imensa de Anne
Rice trabalhar com limites. Seu trabalho é claramente trabalhar o sexo não só
por um viés prazeroso, nem mesmo só por um viés doloroso, mas sim os pontos
máximos de todos os pontos de vista que o ato sexual pode possuir. E as formas
com que Anne Rice planejou alcançar e desenrolar os limites sexuais dos
personagens de seu romance foram justamente o que causaram tanto horror a
tantos leitores. Foram utilizadas mentes de personagens inescrupulosos e
impetuosos; resgatadas e criadas horrendas fantasias sexuais; utilizados
métodos, objetos, posições, abordagens, e outros variados utilitários para
trabalhar essencialmente com a questão: até onde o ato sexual e todas suas
dimensões podem chegar? Esse é o epicentro, em meu ponto de vista: o trabalho
não com o sexo pelo sexo, nem com o sexo pelo comum, mas o sexo por seus
limites. E só quem tem sangue frio e não tantas amarras com o politicamente
correto que pode, de fato, compreender o fator de essência da obra.
Obra que, aliás, discordo novamente
com o que é imensamente dito por muitas resenhas por aí: não se trata de
pornografia. Pornografia, ao meu ver, não está no conteúdo do que é escrito, ou
toda obra que trabalha com sexualidade, que demonstra o sexo, tratar-se-ia de
pornografia. Pornografia está na forma de escrita e demonstração daquele
conteúdo. Anne Rice em nenhum momento é rude, suja ou depreciativa em sua
escrita: trata-se de uma obra de leitura extremamente fluida, até mesmo fácil,
mas que mantém os traços costumeiros da autora: a inteligência da escrita e o
uso correto de palavras, principalmente na forma sutil e educada com que
descreve os momentos sexuais, o que não deixa, em questão de escrita, o que é
lido repugnante. O choque, aqui, será com o conteúdo,
e não com a escrita.
E, pois bem: o choque. No último
domingo, dia dez, assisti à ótima entrevista da cantora Pitty com a jornalista
entrevistadora Marília Gabriela, onde ambas se encontraram para as famosas
entrevistas reveladoras e inteligentes da profissional. Foi em algum momento da
entrevista que, discutindo sobre a realidade do Rock no Brasil, ambas
entremearam-se na conversa sobre dois tipos de Rock: um Rock mais ameno e um
Rock mais pesado, áspero. E Pitty disse palavras que me fizeram imediatamente
fazer uma correlação com a obra de Anne Rice: “O que é limpo, o que é
aceitável, ele obviamente é mais fácil de chegar nos lugares. O que é mais
diferente, áspero, é uma coisa que é mais segmentada. Não é tão popular. [...]
Uma estética [...] que é feita pra incomodar...” E então Marília Gabriela
completa com a palavra perfeita para o que quero alcançar: “Pra te provocar.
Pra provocar uma reação”.
Provocação. Ato de incomodar.
Cutucar. Sei que é um pecado terrível prum resenhista tentar adivinhar as
intenções de um escritor, mas pela experiência que possuo de Anne Rice sei que
posso arriscar isso: foi proposital. E previsto – e, certamente, premeditado, o
rebuliço sobre esta obra. Anne Rice trabalha homossexualismo explícito, em suas
obras; Anne Rice sempre trabalhou com a luxúria explícita, lasciva, em seus
escritos. Anne Rice trabalha com ideais religiosos, crenças e dogmas; Anne Rice
cutuca verdades sentimentais, emocionais e de diversas outras dimensões do ser
humano em seu trabalho de escrita. Um escritor que trabalha com tantos pontos
delicados não faz isso sem saber o que está fazendo, ou inocentemente. Anne
Rice busca e sempre buscou cutucar, incomodar, provocar, fazer seu leitor
pensar – e, ora, por que em sua literatura erótica seria diferente? O que vi
nas páginas de Os Desejos da Bela Adormecida foram as seguintes provocações,
dentre inúmeras outras: “Me deixe cutucar
nos recantos obscuros de você...” “Você
aceita isso?” “Como você reagiria a
isso?” “Isso te dá nojo?” “Você consegue aguentar mais algumas páginas?”
“O quanto de você existe aqui?” – e é
exatamente isso que faz, ao meu ver, um autor ser esplendoroso e inigualável. A
capacidade de chegar até o ser humano. Anne Rice faz isso com absoluta
perfeição nestas quase trezentas e cinquenta páginas, já que, ora: se é um
livro que causou tanto choque e foi tão odiado por causar tanto, de fato trata-se de um ótimo livro.
Mas o livro também não se trata
apenas de sexualidade e erotismo: Os
Desejos da Bela Adormecida traz uma inteligente e criativa releitura para o
clássico conto de fadas. Chocante, sim; angustiante, sim; cruel? Bastante. Mas
indubitavelmente inovadora e interessante. Nesse doido mundo onde o lascivo é
bateria dos personagens (Anne Rice, numa entrevista sobre a obra, disse: "eu queria fazer a Disneylândia do S&M"), o medieval é simples e convincentemente implantado, e alguns
vestígios do clássico e reconhecido teor gótico de Anne Rice ainda podem ser
percebidos cá e acolá; os personagens são elegantemente apresentados ao leitor,
basicamente divididos entre aqueles escravizados e aqueles não escravizados, e,
atraindo o foco para os escravizados sexualmente, outra questão também é
interessantemente trabalhada por Anne Rice: o aprendizado e moldagem de um
alguém no meio em que se encontra. Personagens como Princesa Lizetta e Príncipe
Gerald são mostrados como alguns dos que foram manipulados de acordo com o que
é ensinado e esperado dos escravos – um processo de lavagem cerebral bizarro,
porém bem construído –, mas foram Bela e Príncipe Alexi em quem Rice aumentou o
zoom e trabalhou os caminhos de todo o processo da aceitação e entendimento do
que é vigente em derredor, e é um processo interessantíssimo de se ler.
E mais, para finalizar os
comentários sobre esta ótima obra: não acho que se trate de um conteúdo
machista, como muito li ser taxada. Machismo, numa definição simples, é um meio
onde o homem encontra-se em posições mais importantes no derredor e faz uso de
força, psicológica ou bruta, para repreender, humilhar ou diminuir mulheres. E,
bem, quando há uso de algum tipo de diminuição ou repreensão com personagens
neste livro, o sofredor e o acusador variam de sexo. Traduzindo: homens e
mulheres aqui batem, fazem loucuras sexuais e exploram outros homens e mulheres assim como homens
e mulheres sofrem dos que infringem (homens ou mulheres). O fato de Bela ser a personagem em quem
tudo vai ser demonstrado não faz dessa obra machista, já que homens também no
universo criado sofrem do que Bela sofre – e, bem, na verdade sofrem coisas bem
piores do que ela. E, sinceramente falando, as personagens femininas são as mais cruéis desse livro (kkk).
Como fã de Anne Rice, eu precisava
dizer absolutamente tudo o que pensava sobre a obra e tudo com o que discordava
do que já havia lido anteriormente – por isso o tamanhão da resenha. E, de
fato, ela é o meu ponto de vista
sobre a obra, que eu sei que é divergente do da maioria, e isso não o faz
melhor ou pior. Faz ser só mais um ponto, dentro tantos outros diversos
espalhados pelo mundo.
A. N. Roquelaure, ou Anne Rice – que pseudônimo classudo! –, concebeu mais uma de suas obras brilhantes,
explorando o mundo da sexualidade, do prazer, da dor e do pudor como poucos
antes e, possivelmente, depois. De uma coragem extrema e da inteligência
imensurável, aplaudo mais uma vez a autora, que só provou ser uma das melhores
que já existiram, ao meu ver. É um livro para poucos, pois poucos possuem
estômago; entretanto, para quem o percebe e compreende, pode tratar-se de uma
inesquecível, intrigante e instigante obra. Se for consumir, esteja pronto, e
abra sua mente! É a única forma de fazê-lo com exatidão.
Oi Breno!
ResponderExcluirCaramba, adorei sua resenha!
Na verdade, já ouvi é claro, diversos comentários sobre a Anna Rice e a maioria deles ou gosta, ou odeia. Nunca tive oportunidade de ler nada dela, porém, essa sua resenha me fez trabalhar melhor essa ideia.
Talvez, não começar por essa obra, que tem um conteúdo mais pesado e eu talvez não tenha estomago - pelo menos, não, logo de cara. Ir conhecendo o trabalho da autora e ver se realmente é pra mim.
Enfim, adorei a forma franca como você expôs sua opinião! :)
Beijos,
Ká Andrade
http://teens-books.blogspot.com.br/
Oi!
ResponderExcluirInfelizmente não li nada da Anne ainda :/, essa obra em especial apesar de ter uma linguagem dificil, como voce citou, parece ser uma delicia, bateu muita vontade de ler.
Alia, adorei a sua citação a Pitty <333
Abraços
Guilherme - leituraforadeserie.blogspot.com
Tenho uma conhecida que começou a leitura, porém parou logo no começo, pois achou muito estranha a história, então não sei se daria uma chance agora para o livro, quem sabe mais pra frente. Ótima resenha!
ResponderExcluirhttp://pactoliterario.blogspot.com.br
Já li vários livros da autora e não posso me dizer fã. Não gosto, nem desgosto. Tenho uma amiga que tem essa trilogia e vou pedir emprestada para ler, pois fiquei curiosa.
ResponderExcluirBlog Prefácio
Olá Breno, tudo bem? Nunca li nada da autora e pelo o que disse em sua resenha, talvez esteja perdendo algo muito bom. Já ouvir diversas versões sobre a escrita dela, tanto boa quanto ruim...esse livro é pesado mesmo, logo pela capa se sente isso. Lendo, vi que a Bela era uma espécie de escrava sexual, o que ainda acontece muito no mundo...ainda mais com o tráfico internacional de mulheres que são exploradas de diversas formas. Achei interessante a abordagem da autora.
ResponderExcluirBeijos!
Monólogo de Julieta
Oi Breno!
ResponderExcluirAinda não li nada da Anne Rice, e confesso que o estilo que ela escreve não faz muito o meu tipo. Mas gostei muito da tua resenha, expôs bem a tua opinião.
Bjs!
Books and Movies
www.booksandmovies.com.br/
Olá Breno,
ResponderExcluirEu faço parte da turma que nunca leu Anne Rice. Mas, nunca pensei que a narrativa da "Tia Arroz" fosse algo tão rebuscado, tão pesado. Sério, pensei que seria uma pegada bem mais leve e com bastante exploração da atração dos personagens. Me deu uma certa curiosidade em ver alguma obra da autora, espero ter uma oportunidade.
Lucas - Carpe Liber
http://livrosecontos.blogspot.com.br/
Oi Breno, tudo bem?
ResponderExcluirDa Anne li apenas Entrevista. O interessante da Anne é que ela tem uma escrita bem sensual, erótica, mas é tão singular que é até injusto comparar com os livros eróticos de hoje. Não curto muito releituras de contos da Disney, sou mt fiel a minha infancia huahuahua então não sei se leria esse livro.
beijos
Kel
www.porumaboaleitura.com.br
Oi, Breno.
ResponderExcluirBom, confesso que eu não gosto de literatura que contenha erotismo, não faz o meu estilo. Embora a obra não trate apenas de sexo, ela aborda bastante isso o que já tira meu desejo de ler a obra. Mas enfim, gostei de sua resenha bastante caprichada e detalhada.
M&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista. São 6 livros para escolher e 2 ganhadores.
Nunca li nada de Anne,
ResponderExcluirachei bem interessante, fiquei curioso pra ler rsrs
sua resenha é bem detalhada, amei amei
hihi ><
http://mid-nightt.blogspot.com.br/
oi!!!
ResponderExcluirQue post incrivel <3 adorei sua forma de se expressar. Eu sou fã da Anne Rice há muito tempo, desde que li "O Servo dos Ossos". Depois foi um pulo para ler As Crônicas Vampirescas entre outros. Li muitas críticas desses livros, mas eu sempre pensava "Eu acho que vou gostar hahahah" (as vezes sou meio do contra das resenhas) Mas por suas palavras eu já tenho certeza, preciso dar um jeito de conseguir esses livros hahahahahha Acho que a Anne Rice é muito mais <3
parabéns pelo trabalho
uma ótima tarde!
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