sexta-feira, 22 de agosto de 2014

de Yann Martel, LIFE OF PI (2001)


Título no Brasil: As Aventuras de Pi;
Editora: Nova Fronteira;
Tradução: Maria Helena Rouanet;
Revisão: Rachel Rimas;
Gênero: Ficção (?);
Nota (de 0 a 5)5.




Ter As Aventuras de Pi em mãos foi um golpe de sorte. Não deveria ser meu; comprei prum amigo e, quando vi que tinha em mãos um livro de um filme que queria ver há muito tempo, decidi ficar com ele e dar um outro ao tal amigo – já que, bem, é uma regrinha básica para a maioria de nós, leitores, sempre ler o livro antes de ver o filme em que foi baseado (e eu sigo essa regra feito o chatérrimo bookaholic que sou). E, como dito: um golpe de sorte. E que sorte. Pois acabei tendo em mãos um dos melhores livros que li esse ano – e, quem disse que não?, da minha vida.

As Aventuras de Pi conta a história, baseada em fatos reais, de Piscine Molitor Patel – que, por razões inúmeras, rebatiza socialmente a si mesmo como Pi. Um menino inteligente e de mente aberta, vegetariano, que é ao mesmo tempo cristão, muçulmano e hindu (sim), descobre que precisa deixar a Índia com seus pais, irmão e animais do zoológico onde vive em direção ao Canadá para recomeçarem suas vidas. Na viagem de ida, porém, Pi vê-se num bote com uma hiena, uma zebra, uma orangotango e um tigre (Richard Parker – sim, esse é o nome do tigre, e o porquê dele ter esse nome você também vai descobrir), após o assustador naufrágio do navio Tsimtsum. E são sobre os meses – sim: no plural – que Pi Patel, um jovem sagaz, corajoso e perseverante sobrevive no meio do oceano que você irá saber. E entender. E, com ele, se aventurar.

No meio do livro, eu fiquei me perguntando se o título “As Aventuras de Pi” havia sido realmente uma boa escolha para a tradução do nome original, Life of Pi, no Brasil. O substantivo “aventuras” me passa uma imagem por demais... Romântica, quando se atribui a uma trajetória. É levar o leitor imediatamente a pensar em grandes aventuras mitológicas, sobre um forte, indestrutível e brilhante ser divino à la grega – e foi isso, confesso, que estupidamente me levei a acreditar. E, consequentemente, estupidamente fui jogado para fora do que eu acreditava pelo enredo. Pois foi também assim que foi As Aventuras de Pi, para mim: um soco na cara e no estômago. Assim como um beliscão na consciência, e em muitas verdades que eu achava serem sólidas dentro de mim.

 A primeira parte do livro é brilhante. Trata-se basicamente de uma apresentação de Pi, da mentalidade de Pi e da realidade em que vive; é nesse momento em que o leitor irá conhecer o seu herói. Como dito, e provavelmente deve ter parecido confuso para quem não leu o livro, Pi Patel se trata de um menino um tanto diferente: ele se considera de várias religiões. E é esse o ponto que Yann Martel perfura com maior intensidade e maior foco, nesta primeira parte da obra, lindamente expressando o que quer expressar sem parecer um desesperado espiritualizado que quer converter pessoas – não, nem pense nisso. Sou pessoalmente apaixonado por qualquer coisa que traga discussões sobre religiões – desde entrevistas na TV a livros especializados no assunto –, e encontrei nesse livro uma mina simples, nada pedante e preciosa disso. Preciosa por não querer profetizar, ou dogmatizar, espiritualizar, mas por esclarecer: pelas palavras de um homem sábio, é descrita toda uma vibrante discussão sobre essa realidade pessoal de Pi, sua grande quantidade de crenças religiosas,  o porquê dele ser assim, e o porquê de não ser errado ele ser assim; do porquê todo tipo de crença ter seu valor e sua beleza, apesar de suas grandes obscuridades, e, principalmente: como o seu eu cheio de fé e crenças foi uma grande arma para sua sobrevivência. As Aventuras de Pi é um livro lindamente universal, verdadeiro e corajoso nesse sentido.

É então quando o livro parece mudar de tom. A escrita leve, muitíssimo bem-humorada (o humor inteligente de Yann Martel me arrancou gargalhadas em sua primeira parte) e descompromissada tomba exatamente quando o navio de Pi Patel também tomba, para uma escrita mais dura e seca – e o leitor é levado com a história para o fundo do poço da nova realidade do herói de Martel. Magnífica, essa mudança de tom – do claro para o negrume, onde a tensão de Pi pode ser sentida na pele, quase que literalmente de tão real. É aí então que a história de fato começa. E o que Pi Martel passa em alto oceano, nos meses em que fica perdido... É cruel. Nuamente desenvolvida ao longo do enredo, as provações de Pi são lancinantes: seu estado emocional; seu estado físico; seu estado espiritual; seu estado existencial; seu estado psicológico – tudo, tudo, absolutamente tudo que poderia ser trabalhado em Pi para descrever a história de um garoto perdido em alto mar é trabalhado com perfeição – por isso me atrevo com toda a confiança do mundo a definir Piscine Molitor Patel como um dos mais completos protagonistas que já li.

A trajetória sofrida de Pi é desenvolvida num universo ironicamente “mínimo”: simplesmente um bote, uma engenhoca e imensidões verticais e horizontais (um céu infinito, um horizonte infinito, um oceano infinito). O passo a passo da sobrevivência nesse “mínimo” é acachapante: ver como Pi compreende sua realidade, encontra e constrói suas chances de vida e adapta-se inteiramente à necessidade é incrível, tudo em meio de uma escrita viciante, dinâmica, inteligente, baseada numa ótima pesquisa e inteira repleta de discussões relacionadas aos processos de identificação, entendimento, percepção, dentre outros, de Pi. É também tudo muito cru, seco, quando precisa ser. O que acontece realmente é dito como acontece, e isso me chocou algumas vezes – a ponto de me fazer virar o olho das páginas, tomar um fôlego e só em seguida continuar (claro que isso vai do nível de sensibilidade de cada um, mas acho que nenhum passaria ileso ao que acontece à zebra...). Mas mais interessante mesmo é a... Eu ia dizer “amizade”, mas é tanto mais como menos o que se desenrola entre Pi e seu fiel companheiro, Richard Parker, o tigre que tem nome de gente. O processo de entendimento, compreensão, habituação, rotina, sobrevivência de ambos é... Uau. Uau, de fato. E, por favor, um momento pro derretimento do resenhista: que coisa mais linda, incrível, fofa, fodástica é Richard Parker?! Esse tigre é LINDO, gente! Pelo amor de Deus!!! Fodástico e absurdamente metafórico – pode deixar o leitor doido, doidinho da silva, se ele se permitir pensar sobre todas as metáforas escondidas nas entrelinhas desse livro.

Ao final, enfim, é outro fôlego que a escrita toma nos poucos capítulos da terceira parte do livro – e qualquer informação que eu dê sobre esse fôlego eu corro o risco de dar spoiler, então prefiro deixar meu leitor por ele mesmo descobrir o que acontece (apesar de ser, bem, meio óbvio o principal do desfecho da história). O fim do livro é feito de uma forma que é bastante satisfatória – mas, bem, só. Fiquei meio em dúvida se gostei ou não. Se merecia mais poesia, algo mais inebriante...


Mas isso, um mero milímetro perto de quilômetros de maravilhas, não faria o livro perder nem um pouco seu brilho. As Aventuras de Pi é um livro precioso, um achado; uma prosa de ouro, que merece ser eternizada como um livro inspirador e poderoso. Aliás, por fim, eu finalmente concordei com o título dado no Brasil: As Aventuras de Pi. Porque o caráter de divino nessa história existe. Que não pode ser definida de outra forma além de: um milagre.

20 comentários:

  1. Nossa que resena! Eu que já tinha visto esse livro e não tinha me interessado por ele, quero ler agora. Parabéns!

    Blog Prefácio

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  2. oois, esse livro desse ser fantastico, depois dessa resenha fiquei super ansioso pra ler, parabéns belo blog, pela resenha, por tudo, tou seguindo!
    ah, obg pela visita em meu blog, fiquei muito feliz

    http://eaimarc.blogspot.com

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  3. adooorei a resenha!
    nossa, vi poucas resenhas assim, me deixou com uma mega vontade de ler o livro! *------*
    seguiindo aqui anjo,
    beeeeijos
    http://tudonodup.blogspot.com.br/

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  4. Essa coisa de comprar um livro pra dar pra alguém e acabar ficando para si próprio é tão eu! Caracas, esse livro pareceu ser ótimo. Gostei das palavras fortes que usou e amei mais ainda não ter descrito o fôlego pra não sair spoiler, porque quero ler esse livro. Abçs!

    http://gabryelfellipeealgo.blogspot.com.br/

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  5. Oi Breno!
    Eu assisti o filme e só depois descobri que era baseado em livro.Sua resenha está incrível, você consegue transmitir toda a sua emoção ao ler o livro. Parabéns mesmo, você escreve muito bem!
    Mas, você disse que o livro é baseado em fatos reais, ou o autor escreve dando a impressão fictícia de ser uma história real? Estou perguntando por que quando eu pesquisei na época do filme eu descobri uma história de um possível plágio do autor das aventuras de Pi com a história Max e os Felinos do Moacir Scliar, e que o próprio autor teria admitido que a ideia inicial (um garoto num barco com um felino) ele pegou do Scliar.
    Uma das reportagens sobre

    http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/1218896-autor-de-as-aventuras-de-pi-e-suspeito-de-plagiar-brasileiro.shtml

    http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/das_aventuras_de_pi_ao_plagio_de_scliar

    Aí esse lance me deixou meio desanimada com esse autor. Ah... fiquei me sentindo meio traída, sei lá, não sei explicar direito. Será que eu estou sendo muito intransigente com o autor por me recusar a lê-lo por existir essa possibilidade de plágio? Posso estar me privando de uma leitura incrível, como você mostrou, por melindre meu. Estou confusa, rsrsrs.

    Mas sua resenha, como sempre, está impecável.
    Abraços!

    Fran

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    1. Oi, Fran! Sempre um prazer te ver por aqui!
      E, só pra esclarecer: de acordo com o próprio autor, na apresentação do livro, essa história é baseada na história real de um homem que, de fato, existiu e passou por algo parecido. O que o autor fez foi recontar essa história romantizando-a pra Literatura. Ele conheceu o verdadeiro, entrou em contato com pessoas da Marinha que entrevistaram-no pra colheita de dados - isso tudo. ^^
      Não tinha ouvido falar dessa polêmica! Jesus! Mas enfim: não deixe de se afogar numa história tão linda como essa por isso, não. Leia! Não vai se arrepender!
      Abração!

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  6. Esse filme no cinema me arrancou suspiros, surpresas, risos e lágrimas, muitas lágrimas. Imaginei mesmo que o livro seria de uma grandiosidade maior até que o filme e não me enganei, pelo que li na sua resenha.rs Não seria uma leitura que eu faria agora agora, mas taí uma boa dica de leitura, com certeza <3
    Agora assista o filme e se delicie com os efeitos LINDOS que ele tem junto com uma história linda também ;}

    Beijos
    http://mon-autre.blogspot.com.br/

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  7. Olá, Breno.
    Eu confesso que não li esse livro e nem tenho vontade, principalmente depois de saber do plágio do autor com o Moacyr, autor nacional de qualidade. Tanto que eu li Max e os felinos, que foi o alvo do plágio, e amei. Já esse eu não li e nem tenho vontade.
    Beijos.

    memorias-de-leitura.blogspot.com

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    1. Bom, o meu conselho seria: leia As Aventuras de Pi, já que leu a outra obra que dá sustentação à polêmica, e conclua por si mesma. Fechar as próprias portas para impedir uma análise própria por confiar apenas em informações alheias (que, bem, eu discordo) não é nada sábio. Ainda que as informações alheias sejam de fontes confiáveis. ^^
      Beijos!

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  8. Fui ao cinema com minha amiga, e esse filme estava em cartaz mas nem vi
    depois dessa resenha me sinto arrependida

    vou comprar o livro !

    conclusoesnoturnas.blogspot.com.br

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  9. Olá Breno tudo bom ?
    Vi agradecer a visita lá no A Series of Geek :) , gostei muito da sua resenha, muito bacana seu blog, Parabéns. Ainda não li nem o livro e nem vi o filme, mais fiquei bem empolgado para lê-lo e assisti-lo haha. Muito bom tudo..
    Um abração ...

    www.luucasgeek.com.br

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  10. já comentei nesse post, shuashua

    Confira meu novo post:
    http://eaimarc.blogspot.com

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  11. Oiii!!! Confesso q não quis ler esse livro e nem assistir ao filme, pq há a possibilidade de plágio de um livro nacional do Moacir S. Sei q vc disse q o autor, diz tratar-se de uma história real, mas fico pensando se isso não é apenas uma forma de ocultar a verdade. Pq há até uma entrevista q diz q o autor de as aventuras de Pi, disse q poderia criar algo melhor do q Moacir. Enfim, não podemos saber a verdade, mas isso me desanima. Se um dia for le-lo, lerei primeiro o livro de Moacir e depois Pi e entao tirarei minhas próprias conclusões. :) Abraços
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

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    1. É mesmo que ele fala isso numa entrevista?! Meu Deus! Eu agora quero ler esse livro do Moacyr Scliar. Já é o terceiro comentário sobre a polêmica, e ela só aumenta minha vontade de conhecer sobre ela e entender tudo o que aconteceu. Vou procurar me informar mais sobre essa polêmica, Gih! E é realmente isso o certo: tirar as próprias conclusões sempre. ^^
      Abração, querida! Sempre bom te ver por aqui!

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  12. Sempre quis ler esse livro e, agora, minha vontade só aumentou. Ainda não assisti ao filme, pois gosto de ler o livro antes, como você.
    Espero gostar do livro tanto quanto você.

    M&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista de agosto

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  13. Acredita que eu não vi o filme e idem o livro. Sempre li inúmeras criticas falando super bem, acho que de 10 resenhas apenas 2 falavam mal do livro. Quando vi tu falando que "poderia ter sido o livro da sua vida" fiquei com curiosidade e realmente tive vontade de ler essa resenha.
    Fiquei com uma vontade enorme de ler esse livro,q quando tiver a oportunidade irei ler com o maior prazer, porque a história é de mais e a sua resenha ta fantástica.

    XOXO, não deixe de conferir:
    Joven Clube || Official

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  14. Já vi o filme inspirado no livro e meio que morguei em ler o livro.
    Talvez esteja errado por pensar assim, ao menos é essa a ideia ao ler sua resenha mencionando tão bem o livro. Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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  15. Oi, Breno!
    Eu vi o filme e sinceramente... Detestei. :x
    Devido a isso, morguei lindamente e não quis mais ler o livro. Você escreve maravilhosamente bem. Isso é incontestável. Teceu inúmeros elogios, mas não me convence, infelizmente. (Ainda.)
    A premissa não me convence, sabe? Não sei se realmente darei uma chance em breve. Devido a tantos elogios teus, eu posso até comprá-lo algum dia, em alguma promoção na internet. Mas no momento ainda não tenho pretensão de lê-lo.
    Esse lance da espiritualidade presente na história não me anima muito.
    Enfim, sua resenha está maravilhosa. Quero escrever assim quando eu crescer! Haha
    Abraço!

    "Palavras ao Vento..."
    www.leandro-de-lira.com

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  16. Oi, Breno!
    Nunca li "As Aventuras de Pi" e confesso que nunca tive muita vontade de ver o filme, até que por coincidência acabei vendo o final e prometi que ia ver o filme inteiro (o que nunca aconteceu).
    Concordo com você, não gostei muito da tradução da título, acho que acaba passando uma imagem meio infantil e boba do livro (não que todas as aventuras sejam assim) e acho que isso foi o que meio que me levou a não ler.
    Várias pessoas já me falaram muito bem do livro e eu prometo (dessa vez eu cumpro) que eu vou ler e ver o filme.
    Amei sua resenha! (parabéns, você me convenceu) :D
    Beijo

    http://canastraliteraria.blogspot.com.br/

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  17. Primeiramente, juro por Deus que nunca tinha posto esse livro neste ângulo. Confesso que já tinha assistido o filme e ficado tão maravilhado com o roteiro, junto com os efeitos especiais, ou seja, o conjunto completo, mas nunca tinha sentido curiosidade de ler o livro até agora. Mas como já disse, você me apresentou um ângulo que eu ainda não tinha nem sequer pensado sobre o livro. Não preciso nem falar que fiquei muito curioso e que provavelmente irei lê-lo em breve.
    cronicasdeumlunatico.blogspot.com

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