sexta-feira, 22 de agosto de 2014

de Yann Martel, LIFE OF PI (2001)


Título no Brasil: As Aventuras de Pi;
Editora: Nova Fronteira;
Tradução: Maria Helena Rouanet;
Revisão: Rachel Rimas;
Gênero: Ficção (?);
Nota (de 0 a 5)5.




Ter As Aventuras de Pi em mãos foi um golpe de sorte. Não deveria ser meu; comprei prum amigo e, quando vi que tinha em mãos um livro de um filme que queria ver há muito tempo, decidi ficar com ele e dar um outro ao tal amigo – já que, bem, é uma regrinha básica para a maioria de nós, leitores, sempre ler o livro antes de ver o filme em que foi baseado (e eu sigo essa regra feito o chatérrimo bookaholic que sou). E, como dito: um golpe de sorte. E que sorte. Pois acabei tendo em mãos um dos melhores livros que li esse ano – e, quem disse que não?, da minha vida.

As Aventuras de Pi conta a história, baseada em fatos reais, de Piscine Molitor Patel – que, por razões inúmeras, rebatiza socialmente a si mesmo como Pi. Um menino inteligente e de mente aberta, vegetariano, que é ao mesmo tempo cristão, muçulmano e hindu (sim), descobre que precisa deixar a Índia com seus pais, irmão e animais do zoológico onde vive em direção ao Canadá para recomeçarem suas vidas. Na viagem de ida, porém, Pi vê-se num bote com uma hiena, uma zebra, uma orangotango e um tigre (Richard Parker – sim, esse é o nome do tigre, e o porquê dele ter esse nome você também vai descobrir), após o assustador naufrágio do navio Tsimtsum. E são sobre os meses – sim: no plural – que Pi Patel, um jovem sagaz, corajoso e perseverante sobrevive no meio do oceano que você irá saber. E entender. E, com ele, se aventurar.

No meio do livro, eu fiquei me perguntando se o título “As Aventuras de Pi” havia sido realmente uma boa escolha para a tradução do nome original, Life of Pi, no Brasil. O substantivo “aventuras” me passa uma imagem por demais... Romântica, quando se atribui a uma trajetória. É levar o leitor imediatamente a pensar em grandes aventuras mitológicas, sobre um forte, indestrutível e brilhante ser divino à la grega – e foi isso, confesso, que estupidamente me levei a acreditar. E, consequentemente, estupidamente fui jogado para fora do que eu acreditava pelo enredo. Pois foi também assim que foi As Aventuras de Pi, para mim: um soco na cara e no estômago. Assim como um beliscão na consciência, e em muitas verdades que eu achava serem sólidas dentro de mim.

 A primeira parte do livro é brilhante. Trata-se basicamente de uma apresentação de Pi, da mentalidade de Pi e da realidade em que vive; é nesse momento em que o leitor irá conhecer o seu herói. Como dito, e provavelmente deve ter parecido confuso para quem não leu o livro, Pi Patel se trata de um menino um tanto diferente: ele se considera de várias religiões. E é esse o ponto que Yann Martel perfura com maior intensidade e maior foco, nesta primeira parte da obra, lindamente expressando o que quer expressar sem parecer um desesperado espiritualizado que quer converter pessoas – não, nem pense nisso. Sou pessoalmente apaixonado por qualquer coisa que traga discussões sobre religiões – desde entrevistas na TV a livros especializados no assunto –, e encontrei nesse livro uma mina simples, nada pedante e preciosa disso. Preciosa por não querer profetizar, ou dogmatizar, espiritualizar, mas por esclarecer: pelas palavras de um homem sábio, é descrita toda uma vibrante discussão sobre essa realidade pessoal de Pi, sua grande quantidade de crenças religiosas,  o porquê dele ser assim, e o porquê de não ser errado ele ser assim; do porquê todo tipo de crença ter seu valor e sua beleza, apesar de suas grandes obscuridades, e, principalmente: como o seu eu cheio de fé e crenças foi uma grande arma para sua sobrevivência. As Aventuras de Pi é um livro lindamente universal, verdadeiro e corajoso nesse sentido.

É então quando o livro parece mudar de tom. A escrita leve, muitíssimo bem-humorada (o humor inteligente de Yann Martel me arrancou gargalhadas em sua primeira parte) e descompromissada tomba exatamente quando o navio de Pi Patel também tomba, para uma escrita mais dura e seca – e o leitor é levado com a história para o fundo do poço da nova realidade do herói de Martel. Magnífica, essa mudança de tom – do claro para o negrume, onde a tensão de Pi pode ser sentida na pele, quase que literalmente de tão real. É aí então que a história de fato começa. E o que Pi Martel passa em alto oceano, nos meses em que fica perdido... É cruel. Nuamente desenvolvida ao longo do enredo, as provações de Pi são lancinantes: seu estado emocional; seu estado físico; seu estado espiritual; seu estado existencial; seu estado psicológico – tudo, tudo, absolutamente tudo que poderia ser trabalhado em Pi para descrever a história de um garoto perdido em alto mar é trabalhado com perfeição – por isso me atrevo com toda a confiança do mundo a definir Piscine Molitor Patel como um dos mais completos protagonistas que já li.

A trajetória sofrida de Pi é desenvolvida num universo ironicamente “mínimo”: simplesmente um bote, uma engenhoca e imensidões verticais e horizontais (um céu infinito, um horizonte infinito, um oceano infinito). O passo a passo da sobrevivência nesse “mínimo” é acachapante: ver como Pi compreende sua realidade, encontra e constrói suas chances de vida e adapta-se inteiramente à necessidade é incrível, tudo em meio de uma escrita viciante, dinâmica, inteligente, baseada numa ótima pesquisa e inteira repleta de discussões relacionadas aos processos de identificação, entendimento, percepção, dentre outros, de Pi. É também tudo muito cru, seco, quando precisa ser. O que acontece realmente é dito como acontece, e isso me chocou algumas vezes – a ponto de me fazer virar o olho das páginas, tomar um fôlego e só em seguida continuar (claro que isso vai do nível de sensibilidade de cada um, mas acho que nenhum passaria ileso ao que acontece à zebra...). Mas mais interessante mesmo é a... Eu ia dizer “amizade”, mas é tanto mais como menos o que se desenrola entre Pi e seu fiel companheiro, Richard Parker, o tigre que tem nome de gente. O processo de entendimento, compreensão, habituação, rotina, sobrevivência de ambos é... Uau. Uau, de fato. E, por favor, um momento pro derretimento do resenhista: que coisa mais linda, incrível, fofa, fodástica é Richard Parker?! Esse tigre é LINDO, gente! Pelo amor de Deus!!! Fodástico e absurdamente metafórico – pode deixar o leitor doido, doidinho da silva, se ele se permitir pensar sobre todas as metáforas escondidas nas entrelinhas desse livro.

Ao final, enfim, é outro fôlego que a escrita toma nos poucos capítulos da terceira parte do livro – e qualquer informação que eu dê sobre esse fôlego eu corro o risco de dar spoiler, então prefiro deixar meu leitor por ele mesmo descobrir o que acontece (apesar de ser, bem, meio óbvio o principal do desfecho da história). O fim do livro é feito de uma forma que é bastante satisfatória – mas, bem, só. Fiquei meio em dúvida se gostei ou não. Se merecia mais poesia, algo mais inebriante...


Mas isso, um mero milímetro perto de quilômetros de maravilhas, não faria o livro perder nem um pouco seu brilho. As Aventuras de Pi é um livro precioso, um achado; uma prosa de ouro, que merece ser eternizada como um livro inspirador e poderoso. Aliás, por fim, eu finalmente concordei com o título dado no Brasil: As Aventuras de Pi. Porque o caráter de divino nessa história existe. Que não pode ser definida de outra forma além de: um milagre.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Lenha na Fogueira: LADO DE LÁ, PITTY


Com minha criatividade e processos criativos de projetos pessoais borbulhando, percebi que muita coisa ao redor me dá fôlego e recarrega minhas baterias quando eu preciso. E sempre foi assim. Todos nós que trabalhamos com arte temos métodos que nos fazem manter o foco ou então manter a perseverança e vontade – e, como escritor, posso dizer que muitas vezes são essas injeções de criatividade e vontade que nos fazem persistir e alcançar alguns de nossos objetivos.

De métodos: música, cinema, literatura, pintura, escultura, natureza etc. etc. etc. As especificidades são de cada um, e são as minhas que serão mostradas sempre, nessa nova coluna. A Lenha na Fogueira trará pra vocês alguns exemplos do que me dá fôlego e o que me inspira nesse meu processo criativo de escritor, e trará também as razões daquilo dito me instigar tanto!

Espero que gostem da ideia. Espero os comentários de vocês!



música LADO DE LÁ
banda Pitty.



Pitty, de longe, sempre foi uma das minhas maiores inspirações. Desde moleque mesmo que as letras e a sonoridade inovadora da cantora trouxeram pra minha vida o discurso corajoso, inteligente que me instigava a pensar; a mente aberta e corajosa, na qual eu me espelhava pra ser igual; a voz deliciosa, de mulher, puta gênero incrível pra ter representante brilhante, e em português, que me representava: uma grande influência que desde quando gritava que o importante é ser você! marcou minha vida.

Mas foi quando esse incrível novo trabalho, intitulado Setevidas, saiu que eu realmente respirei fundo e confirmei o quanto essa artista é grandiosa. Músicas criativas, inteligentes, bem trabalhadas e profundas, as faixas do Setevidas resgataram o Rock mais denso, obscuro e de raiz da Pitty, muito voltado pra temas um pouco mais lúgubres e uma sonoridade mais obscura.

E o que poderia ser melhor para alguém que escreve sobre criaturas obscuras?

No momento estou em processo de escrita de uma história sobre uma raça fantástica dark, por assim dizer, e uma música deste álbum caiu como uma luva para essa realidade: Lado de Lá, com sua loucura crepuscular e seu ímpeto intenso, quase incômodo, é um prato cheio pro meu processo criativo. Minha escrita ficcional costuma ser enormemente contínua, quase sem pausas pra respirar, com intensos acréscimos de intensos fluxos de pensamento, adjetivos, advérbios e coisas que a deixam às vezes até mesmo lotada (do jeito que eu gosto, hehe), e a vibe inesgotavelmente crescente, rica e impetuosa dessa canção me ajuda a continuar no mesmo ritmo, sem cansar, enquanto ela estiver rolando no meu ouvido. É abrir meu Spotify, colocar a música na repetição por horas e, acredite: consigo escrever por horas (testado: consigo mesmo). E sem perceber cansaço. É tipo energético sonoro.

Pra entrevista que Pitty deu pro blog da revista O Grito, é dito pela cantora que a faixa se trata de um réquiem, e é exatamente essa a sensação que sempre tive da música, tanto por sua sonoridade quanto por sua letra. “Se arrancou, e partiu daqui e levou de mim aquele talvez...”, “Pra quê essa pressa de embarcar na jangada que leva pro lado de lá?” “E o silêncio [...] que atravessou domingo de sol, e eu chovi sem parar...” são trechos que trazem uma atmosfera lúgubre, cadavérica, mas com uma poesia e melodia elegantes no entremeio, o que torna o universo da canção infinitamente instigante, instigante a produzir algo no estilo. Algo mais gótico, culto, sagaz, e poderoso – e, como mexo com criaturas desse porte, no momento, é exatamente esse o perfeito tipo de música pra mim.

Portanto, se trata de uma canção pra inspirar um lado mais obscuro do meu processo criativo. Um lado mais rebuscado, também, poético, e uma música pra não deixar o fôlego acabar. É realmente uma música importante pro meu atual processo criativo, e é pros mesmos fins que indico ela a você, se precisa botar alguma lenha na fogueira! Não só ela, aliás, mas todo o novo álbum da Pitty – exceto a última canção, Serpente, que...

Bem, ela virá em outro Lenha na Fogueira, então é melhor não dizer nada. Fique ligado!

quinta-feira, 31 de julho de 2014

de Robert Galbraith, THE CUCKOO'S CALLING (2013)


Título no Brasil: O Chamado do Cuco;
Quem escreveu? Robert Galbraith (pseudônimo de J. K. Rowling);
Editora: Rocco;
Tradução: Ryta Vinagre;
Gênero: Ficção Policial;
Nota (de 0 a 5)5.





Não fui apenas eu quem teve a agradável surpresa de que um recente livro policial com razoável sucesso na Inglaterra havia sido escrito por ninguém mais, ninguém menos que J. K. Rowling, sob um pseudônimo vago e comum. A autora do maior fenômeno literário da história da Literatura Infantil, Harry Potter, havia agido soturnamente, mas acabou que sua obra policial tornou-se um fenômeno de vendas assim que seu nome começou a ser atrelado a ela oficialmente – e, bem, será assim com tudo que essa mulher se atreva a escrever agora. É claro que fiquei interessado, ora essa: Rowling foi a mulher que descaradamente me empurrou e afogou no amor pela Literatura, e, após a leitura de seu primeiro livro para crescidos (já que “Literatura Adulta” hoje em dia não tem uma conotação muito ortodoxa), Morte Súbita, eu tinha certeza de que essa doce britânica poderia escrever absolutamente tudo o que quisesse. Mas ainda assim a notícia e primícias de O Chamado do Cuco me atordoavam um tantinho: literatura policial? J. K. Rowling? Um novo herói detetive? Aquilo me deixava um tantinho inseguro, e, curiosamente igual a seu primeiro livro para adultos lançado, demorei quase um ano após sua publicação no Brasil para tê-lo em mãos e lê-lo.

E digo: não me arrependo nem um tiquinho de finalmente ter mergulhado nesta incrível história.

Cormoran Strike se trata de um falido detetive particular que, quase num golpe de sorte, é contratado por um cabisbaixo e nervoso homem chamado John Bristow, o qual recruta seus serviços para o assunto o qual notavelmente o perturba: o assassinato de Lula Landry, a incrível, admirável e esplendorosa modelo que três meses antes estampara todo tipo de mídia por conta de seu trágico “suicídio”, quando caiu do alto de sua sacada no terceiro andar de uma construção de luxo. A investigação, agora silenciosamente sob os olhos de Cormoran Strike e sua naturalmente habilidosa e inteligente secretária Robin Ellacott, toma absurdos e intrínsecos caminhos ao longo de uma investigação minuciosa, que revira o passado da supermodelo e daqueles que lhe eram próximos até um desfecho visceral, marcante e acachapante.

O leitor pode sentir-se um pouco incomodado no início da leitura de O Chamado do Cuco – eu entendo aqueles que reclamam que mal conseguiram passar da página cinquenta. O negócio pode realmente ser um pouquinho cansativo: pessoalmente, até mais ou menos a página cem eu olhava com olhos sonolentos e um estado de espírito entediado para aquelas páginas. Elas podem ser um tanto tediosas por serem o início engatinhador do enredo: as sutis primeiras verdades, opiniões, e as rasas primeiras percepções jogadas para o leitor; peças soltas, depoimentos interessantes, porém aparentemente vagos, que só a partir de mais ou menos um quarto da leitura feita começam a perturbar o leitor pelos encontrões que dão com outros fatos e percepções que o confundem, e que, assim, começam a de fato entretê-lo.

A estrutura do livro é feita basicamente em cima dos depoimentos coletados por Cormoran Strike; a falta de participação da mente do personagem protagonista, do detetive, de suas percepções no texto, é o que dá o ar de grande suspense e confusão. De certa forma, me senti deliciosamente perdido pela quantidade de novas suspeitas, novas informações, novas confirmações e mais e mais problemas sendo todos misturados ao longo das quase quatrocentos e cinquenta páginas, e que não sofriam da participação ativa do personagem protagonista (por ser um texto em terceira pessoa, certamente, e perceptivelmente também por decisão da autora em sua narração): não é dito o que é percebido por Cormoran Strike no decorrer do texto, salvas sutis demonstrações mínimas de percepções do detetive. Na maioria das vezes, o leitor é levado às cegas às informações, e, assim, o leitor tem sua completa liberdade de imaginar uma infinidade de possibilidades de resolução do mistério de Lula Landry – o que, ao meu ver, é o que dá o gosto mais delicioso em tudo.

O fato de se tratar, também, de um livro fortemente ambientado no universo londrino só soma. Para quem gosta de descrições de locais, da geografia do espaço onde se passa a história – e principalmente se esse espaço for, ora, Londres! –, O Chamado do Cuco pode ser um mapa útil, relaxante e interessante. Vez ou outra me sentia realmente habitando aquele lugar onde se passava a cena de tão pungente é a forma com que J. K. Rowling nos adentra da história através de seu detalhismo simples. A escrita simples, maravilhosamente fluida, e inteligente, que não força a barra, de Rowling nos dá uma imensa sensação de conforto pelas cenas que vão por entre os mais diversos âmbitos de hierarquias sociais. Cormoran Strike vai de grandes construções do mundo da moda a PUBs envelhecidos e malcuidados do subúrbio – e a demonstração de cada um desses universos é feita de forma fiel, crua, e inteiramente realista.

Aliás, um dos grandes pontos de meditação após o livro pode ser exatamente este: como universos tão diferentes podem estar mais envolvidos do que se imagina. Entretanto, os maiores deles, indubitavelmente, se tratam de duas questões: a fama e o âmbito familiar. É a fama quem destroça Lula Landry, uma personagem brilhante – mais uma vez a proeza de J. K. Rowling em trabalhar magnificamente num contexto de enredo circundando um alguém que já não existe, de fato –, tridimensional, incrivelmente bem construída pelos ao longo da narrativa pelos relatos. A fama, que possui seu lado enegrecido pela necessidade de atenção e que pode levar as pessoas às ruínas pelos mais diversos motivos e caminhos. E as relações construídas ao redor de mentiras, segredos e loucuras quase patológicas que podem ser danosas para toda uma família.

Quanto aos personagens, todos são de um cuidado e veracidade ótimos – convincentes, nada plásticos ou inúteis: quase praticamente todos possuintes de algo a oferecer para o decorrer da história. E humanos, o que é importante dizer. Aqui vai ser tocado um ponto um tanto polêmico que foi gerado em torno da obra de Rowling e que eu acho que merece atenção.

Li muitas resenhas, comentários de resenhas, comentários de vídeos do Youtube – li e assisti bastante coisa sobre esse livro antes de decidir finalmente lê-lo. Das críticas ruins, muito vi sendo dito que era falha, péssima a tentativa de J. K. Rowling de tentar “fazer acontecer” um novo herói detetive. Okay, certo: num mundo onde existe Sherlock Holmes, Hercule Poirot e Myron Bolitar, vir com Literatura Policial de cara com um detetive como protagonista e não acontecer comparação é impossível. Certo, possuímos nossos cânones no assunto, mas, pelo amor de Deus, quem disse que não pode acontecer de outros detetives surgirem na Literatura? Então é isso: precisamos agora esquecer qualquer tipo de escrita moderna que trate de especialistas solucionando casos porque para sempre apenas leremos Sherlock Holmes? Sandice. Para ser agora completamente sincero e talvez ofender alguns corações literários, Cormoran Strike curiosamente me arrebatou de uma forma mais poderosa do que Holmes o fez, quando li Conan Doyle há pouco mais de um ano. E vou dizer o porquê: achei Strike humano. Um dos pontos mais fortes de O Chamado do Cuco é trazer um detetive que passa pelo que qualquer ser humano de carne e osso passa, como dores físicas e dor emocional. Simplesmente aplaudi deveras o fato de J. K. Rowling ter também construído um universo emocional e palpável para Strike e Robin, pois isso me fez acreditar nele como um de nós, e não como uma entidade assombrosamente brilhante, quase um Deus, como Sherlock Holmes foi dito por seu companheiro fiel, Watson. Acalmemos aqui: não estou dizendo que um é melhor que o outro. Mas me senti no dever de expressar minha opinião sobre isso, e que tenho minha preferência, agora.


A capa desse livro é a coisa mais linda desse mundo, aliás; a edição da Rocco, assim como a revisão, encadernação e a diagramação: maravilhosas. Um livro construído em torno das loucuras, pompas e consequências da fama; entre os cigarros, os PUBs, os mistérios de uma Londres nua e crua: O Chamado do Cuco é um grande livro policial. Uma brilhante estreia de J. K. Rowling no estilo, série a qual, sem dúvidas, promete ainda muitas incríveis e arrebatadoras histórias de Cormoran Strike e sua fiel escudeira, Robin Ellacott. Vale a pena conferir!

terça-feira, 22 de abril de 2014

de Richard Curtis, ABOUT TIME (2013)


Nome no BrasilQuestão de Tempo;
Gêneros: Romance/Drama;
Roteiro: Richard Curtis;
Elenco: Domhnall Gleeson, Rachel McAdams, Bill Nighy, Tom Hollander, Lydia Wilson;
Nota (de 0 a 5): 4.


Eu confesso que o primeiro motivo para meu interesse em assistir About Time foi Rachel McAdams. Quando vi o banner desse filme bem de frente pros meus olhos no site onde costumo fazer meus lindos grátis downloads e vi a imagem da linda Rachel McAdams sorrindo docemente, criei grandes expectativas, e de forma alguma meus dedos se seguraram até que o download estivesse devidamente em andamento. Foi um filme que não ficou tão na moda assim – ao menos não ouvi falar dele tanto; achei seu trailer perdido pelo Youtube dias antes de ver o banner e já fiquei enormemente ansioso para assisti-lo –, e eu estava procurando por filmes basicamente muito comentados para assistir e me divertir. Não sei porquê. Talvez pensando futuramente em escrever críticas pro Blog. Mas o fato é que isso mudou, e, graças aos céus, eu saí da rotina de baixar filmes em alta e baixei About Time. Pois é um filme que não me arrependi de ter assistido.


O filme conta a história de um jovem rapaz que, quando vivia na Cornuália, sul da Inglaterra, descobriu com seu pai que os homens de sua família têm um poder: eles podem viajar para qualquer momento do passado, desde que já tenham estado fisicamente presente no momento em que desejam voltar. Após usos e mais usos e as primeiras descobertas sobre seu poder, o jovem ruivo finalmente muda-se para Londres para tentar ganhar sua vida, e é lá que conhece o doce amor de sua vida, Mary. É neste instante que a vida dos dois se cruzam, que os laços familiares se tornam intrínsecos e mais e mais Tim aprende sobre si mesmo e seu dom. Seria a vida uma questão de tempo? Serão os dias tão contáveis e imutáveis? O quanto vale a pena alterar seu curso de vida?

É um lindo, lindo filme. Pessoalmente, About Time me conquistou demais. Leve, deliciosamente sutil, este filme é aquele tipo de filme o qual você deve assistir para passar uma tarde/noite chuvosa, sem expectativas, com o coração inteiramente aberto. É um filme que, trabalhando temáticas familiares e certo tom de fantasia (presente na questão das viagens do tempo), de forma alguma traz um peso significativo de profundidade ideológica e aprendizagem: simplesmente as oferece, com sabedoria e maciez. About Time é uma bela metáfora sobre a vida de todos nós, e sobre o uso que fazemos dela e de seu contador oficial: o tempo. Eu aprendi coisas assistindo e ouvindo os ensinamentos que são oferecidos no Longa. É um filme, acima de muita coisa, com ensinamentos sábios. Ensinamentos que, por vivermos nossas vidas caóticas e por muitas vezes apressadas, deveríamos receber o mais cedo possível na vida. 

Essencialmente familiar, About Time traz aquele velho e gostoso estilo de filme o qual não tem a necessidade de alcançar picos de tensão para que o expectador se impressione com o enredo. Eu pelo menos não o vi assim. Vi em About Time um filme tranquilo, pacato e despretensioso, com uma linearidade tensional ótima. Com personagens encantadores e interessantes, o forte desse filme está exatamente naquilo que não ele não promete. Se você olhar para o pôster do filme, obviamente pensará que é um filme de romance, e daí então inesgotáveis de ideias sobre o que é um filme de amor irão passar por sua mente. Coisas que certamente não acontecem neste Longa. Sou um profundo amante dos clichês de romances, os clichês clássicos e encantadores que nos arrebatam na história de amor, mas convenhamos: também não é muito gostoso quando uma história de romance nos surpreende? Sai do convencional? Se você concorda com esta pergunta, eu recomendo que assista About Time.


E, se não concorda, eu recomendo da mesma forma, já que meu argumento seguinte é que não é por ser um romance não-convencional que ele é anticonvencional. A não-convencionalidade de About Time existe pelo simples fato de que este filme não traz como foco o amor romântico de dois estranhos. O foco desse filme vai além. Vai ao amor familiar, à durabilidade e importância do amor quando este já está maduro e existente, e, como já dito, à proposta inicial do filme: falar sobre o tempo. Sobre o que é o tempo na vida do protagonista (e na de todos nós). Portanto, amantes de romance, fiquem tranquilos: vocês encontrarão tudo aquilo que veneram num filme desse calibre. Só não esperem que seja um filme essencialmente romântico, pois aviso: não é.

Gentilmente engraçado, também tem boas atuações, o que, confesso, me surpreendeu um pouco. Rachel McAdams, é claro, continua com seu incrível talento e seu lindo jeito de atuar. A meu ver, é uma grande atriz e merece grandiosos papeis. Domhnall Gleeson, que faz o protagonista (E FEZ O GUI WEASLEY, GENTE), também me surpreendeu de forma boa; Lydia Wilson, que interpreta a irmã do protagonista, também me agradou muito. Em suma é um filme aprazível, porém, o que não o fez levar “5”, na minha opinião (ou seja: Ótimo), foi por, talvez, vez ou outra ter se tornado um pouquinho arrastado. O ritmo no início é um pouco caído; a história começa a tomar um rumo realmente bacana um pouco depois, o que não tira o teor delicioso da história, é claro. Porém, talvez devesse ter sido melhor trabalhado o início.

O que não faz desse filme, repito, ruim. É um filme muito o bom, o qual traz ensinamentos que podem mudar aqueles que o assistem, e inspirar. About Time é uma história sobre o tempo, como manejá-lo em nosso dia-a-dia, e amor, com suas mais diversas ramificações. Recomendo About Time a todos aqueles que desejam assistir um filme para relaxar, quem sabe chorar um pouquinho (como eu – mas eu choro até com comercial da O Boticário, então...) e se renovar. Vale a pena conferir.




E você, achou o quê? Concorda, discorda de algo? Tem pretensão de assistir o filme? Conta pra mim nos comentários!

domingo, 13 de abril de 2014

de Michela Murgia, ACCABADORA (2009)



Título no Brasil: Acabadora;
Quem escreveu? Michela Murgia;
Editora: Alfaguara (selo da editora Objetiva);
Tradução: Federico Carotti e Denise Bottmann;
Gênero: Drama, Familiar, Ficção italiana;
Nota (de 0 a 5)5.


não tem fotinho de apresentação porque não achei na internet uma decente pra cortar
sorry.


Foi em alguma promoção relâmpago nesses sites grandes que vi Acabadora à venda, pela primeira vez. Eu nunca havia ouvido falar do livro, a verdade é essa, e talvez, sendo sincero, se eu houvesse o visto em qualquer outro lugar que não numa estante virtual sob o preço promocional irrisório (tão irrisório que quase ridículo) de dez reais não o haveria comprado. Pra falar a verdade mesmo, eu não cheguei nem a comprar o livro: mandei o link pr’uma amiga super legal e me aproveitei da data próxima do meu aniversário pra fazer a chantagem emocional costumeira.

“Compra pra mim?”, perguntei pra ela.

“Compro.” Ela disse prontamente. “Só porque é teu aniversário.”

E, apesar de ela não ter dito, aposto que completou em pensamento essa frase com “e porque tá com esse preço”.

Havia, acho, mais de trezentos livros em promoção, mas foi Acabadora que me chamou verdadeiramente a atenção, dentre vários. Pra começar, se você quer saber, essas promoções gigantes de sites gigantes são meio enganosas: eles só colocam livros que costumam não realmente interessar as pessoas para se livrar logo deles. Nada contra este tipo de livro e quem o lê, mas eu realmente não vou gastar dinheiro com algo chamado “Vinte Dicas para o Sucesso” ou coisa do tipo; segundo que, quando bati o olho, simplesmente me apaixonei pela capa: a menina de cabeça baixa, vulneravelmente triste e introspectiva imediatamente me cativou. Sem contar com o nome, é claro, que, somado à energia que emana do design da cover, nos faz pensar logo em algo dramático, obscuro e até fúnebre.

Já bastaria para me conquistar de cara e me fazer comprar apenas por esses atributos – ou seja: fazer uma compra irresponsável –, Acabadora. Entretanto, tive mais algumas deliciosas e surpreendentes surpresas que foram o bastante para me decidir pedi-lo de presente.

Além de ser um livro italiano e que fale sobre a Itália tradicional do século passado (eu sou perdidamente apaixonado por esse país e estou sempre tentando aprender de forma quase assustadora sobre o mesmo), o livro nos traz um enredo que simplesmente me arrebatou: uma garotinha, Maria, que, rodeada pela realidade de uma Sardenha supersticiosa e enovelada de regras e tradições antigas, é adotada pela misteriosa e poderosa Bonaria Urrai, uma mulher possuidora de uma estranha e quase macabra posição, se não uma função, tradicional no lugar onde vive. Os destinos dessas duas mulheres, presos a uma realidade e a eventos e acontecimentos dramáticos e poderosamente incisivos em suas vidas, personalidades e formas de pensar e agir, são desenvolvidos numa trama imponente, firme e arrebatadora por Michela Murgia – mulher que se tornou uma das autoras mais brilhantes que existem, na minha concepção.

Foi só depois que pedi que comecei a ler que me dei conta de que algo me angustiava em relação ao livro de Murgia: seu tamanho. Pela percepção que tive do enredo, simplesmente não conseguia imaginar como aquela mulher italiana conseguiria desenvolver um enredo tão poderoso como aquele em irrisórias 154 páginas. Eu realmente estava temeroso: o livro que minha amiga havia me dado com tanto carinho, no meu pensamento bobo, poderia se tornar uma grande decepção por não ter um enredo tão bem desenvolvido por conta do tamanho do livro. Eu não conseguia enxergar como Murgia conseguiria dar a tudo seu tempo e sentido em tão poucas páginas – simplesmente não conseguia. Mas é claro que eu estava sendo um completo melodramático, como percebi com o passar das páginas: Michela Murgia é uma mestra na adequação de tempo e espaço em enredo – ao menos foi, nesse livro que li. Isso pode parecer um ponto bobo para se sublinhar numa resenha, porém isso para mim é algo extremamente importante e deve ser tratado com muito cuidado. Já tive antes experiências com livros que, talvez por sua pressa em se adequar a certa quantidade de páginas “querida” pela maioria massiva dos leitores (de duzentas a trezentas páginas) – ou realmente por preguiça do escritor, sabe-se lá –, acabaram se tornando desastres melindrosos por não conseguirem dar um ritmo adequado ao que sua história pedia. Murgia soube fazê-lo com magnitude. Poucas vezes vi um livro tão completo, nesse sentido (menos vezes ainda com livros de menos de duzentas páginas; talvez seja o primeiro).

Acabadora é um livro rico, que retrata um drama familiar numa realidade interiorana, portanto cheio de demonstrações – retratadas de forma belíssima e fidedignas – da forma com que o universo nesse tipo de realidade funciona. Não se deve esperar de um livro assim floreios modernos e contemporâneos, em questão de tempo e espaço do enredo; espere o retratar do simples pensamento de uma cidade pequena, a complexidade das teias que formam as tradições seculares seguidas por habitantes de uma realidade como essa. Esperem o retratar de questões comuns pelo imaginário popular de uma Itália rural da segunda metade do século XX, o trabalho com a demonstração do sentimento e da psique de diversos personagens e caricatos comuns dessa época e habitualidade. Essas são coisas que verdadeiramente se podem encontrar no livro de Murgia.

Além, é claro, de uma escrita digna de ser aplaudida de pé. Tão belamente ornamentada, a escrita de Michela Murgia é serpeada por belas colocações de palavras e adjetivos – belas, não cansativas. É realmente bem chato quando um escritor isso faz para apenas embelezar o texto ou torna-lo pseudointelectual. Murgia não: sua escrita é natural, delicada, e realmente flui: é um livro que pode ser lido, dependendo do ritmo de leitura de cada um e identificação com o texto, com calmaria e prazer. E melhor, para aqueles que gostam de logo terminar leituras: como já dito, pequeno. Cento e cinquenta e quatro páginas, apenas.

A pequena grande obra de Michela Murgia, Acabadora, indubitavelmente é uma obra que não só superou expectativas, mas que também inspirou, instigou e, mais que tudo: ensinou. Sobre a Itália, sobre os costumes de uma vida tradicional, sobre bucólicos e sombrios costumes populares e sobre o quanto que a vida e a morte são fatores tanto relevantes quanto cruciais para a transformação de pessoas e seus destinos.