quarta-feira, 19 de março de 2014

de J. K. Rowling, CASUAL VACANCY (2012)


Título no Brasil: Morte Súbita;
Quem escreveu? J. K. Rowling;
Editora: Nova Fronteira (selo da editora Ediouro);
Tradução: Izabel Aleixo e Maria Helena Rouanet;
Gênero: Ficção inglesa;
Nota (de 0 a 5)5.





Quis este livro desde a primeira vez que ouvi falar dele. Entretanto, por um motivo chamado “falta de dinheiro no bolso” – já que ele costumava ser muito, muito caro em todos os sites e lojas em que eu o via –, protelei por mais de um ano depois de seu lançamento para finalmente tê-lo em mãos (e não por mérito próprio, mas sim por presente de aniversário – aliás, Adauto, você marcou minha vida me dando de presente um dos livros que mais queria ler e me agradaram na vida: obrigado). Esse hiato de tempo longe de tê-lo em mãos para finalmente lê-lo, entendê-lo e formar minha opinião sobre foi, acho, extremamente necessário e saudável. Amadureci literariamente, amadureci como escritor; amadureci também de inúmeras outras formas, todas necessárias para que eu pudesse ver, com olhos maduros, críticos e devoradores, a obra que J. K. Rowling, a famosa autora da série de livros mais vendida no mundo – Harry Potter –, havia lançado dizendo ser seu “primeiro livro para adultos”.

Prefiro não enrolar muito dessa vez na introdução, porque, como não acontecia em muito tempo, estou ansiosíssimo e animado para discutir logo de uma vez o porquê deste livro ter se tornado, para mim, um dos melhores livros que já li na vida e um dos que mais me ensinou, emocionou e tocou.

Morte Súbita fala sobre a realidade do vilarejo de Pagford, o qual, afogado em discussões locais, dramas pessoais de seus moradores e suas ambições íntimas e públicas, é o palco para inúmeros acontecimentos valorosos e intensos numa realidade semi-interiorana da Inglaterra. Pagford – que é como qualquer outro lugar do mundo, com os mesmos tipos de pessoas que podemos encontrar em qualquer esquina, com problemas comuns e verdades universais – é o âmbito para o desenrolar de uma trama intrinsecada, complexa, intensa e cheia de detalhes e mistério. Uma grande história sobre um grande mundo – um mundo plural e bem construído, de um pequeno vilarejo da Grã-Bretanha.

Eu não poderia começar a discutir sobre Morte Súbita antes de deixar clara a minha opinião sobre esta literatura, já que as opiniões são normalmente muito divergentes, de pessoa para pessoa, e eu quero deixar logo explícito pra onde o rumo desta resenha vai: eu amei Morte Súbita. Eu sou apaixonado por este livro. E o grande motivo, sem dúvida alguma, que resumiria o que causou o meu encantamento pelas 500 páginas desse livro se resume numa palavra: riqueza. Morte Súbita é um dos livros mais ricos e bem planejados que já li. Extremamente detalhista, com esses detalhes embolados numa linearidade contínua, sem falha alguma no ritmo que a história pede e é colocada, que simplesmente flui entremeada em mistério e nas doses inesgotáveis de pluralidade de enredo e profundidade de personagens, Morte Súbita é uma obra que, intensa e rítmica, nos leva aos descobrimentos do enredo num desbravar impetuoso que se mantém até a última página. Você descobre, entende, junta detalhes e monta o quebra-cabeça principal até as últimas páginas, o que o torna um livro algemador: um livro que prende, cativa.

Aliás, a forma com que J. K. Rowling conseguiu costurar a história de Casual Vacancy é fenomenal. Além do fato de que o fluxo do tempo foi um tanto singularmente – porém otimamente – planejado, o modo o qual tudo, tudo está interligado é absurdamente inteligente e articulado. Como escritor, diria que até quase impossível de se fazer. Cada personagem está, de alguma forma, ligado ao outro; cada trama tem a necessidade de outras para ser continuada; cada ponto pessoal nos personagens é influenciado por motivos que, comumente, vêm de atos e acontecimentos passados, ou necessitam, esperam acontecimentos futuros para terem seus sentidos completos, na trama. É de causar inveja a forma com que tudo é interligado, como uma grande teia de aranha: nada é solto, nada é desligado. Tudo está unido numa rede de informações complexa e sombria que forma o enredo. E esta forma complexa, que é ao mesmo tempo simples de entender e que exige grandes doses de bom senso, com que tudo é organizado é fascinante. Fascinante. Fiquei embasbacado com cada detalhe, encaixe de peças.

Quanto à escrita de J. K. Rowling, acho que não tenho na manga tantos adjetivos para aplaudir. J. K. Rowling é estupenda. É acessível, por vezes lindamente poética; cheia de floreios metafóricos, sem falhas de intensidade, sem deixar com que o ritmo de tudo caia (pois, quando isso acontece, a coisa se torna um desastre). Bastante detalhista – mas sem ser cansativa –, dividida interminavelmente entre a sutileza e a crueza. Isso, na verdade, me chocou um pouco: o jeito com que Rowling consegue ser tão sutil em momentos, e depois transformar a escrita, antes um tanto doce, em algo cru, verdadeiro, real, forte. Isso, na verdade, varia muito dos personagens, e isso também é fascinante: além dela respeitar um tipo de escrita para cada personagem sem perder a própria forma de escrever, o personagem, muitas vezes, mistura-se à narração, e narrador e ser descrito, em momentos brilhantemente escritos (sem confundir o leitor de forma que atrapalhe o seu fluxo de leitura), tornam-se um só. Talvez eu não tenha conseguido descrever aqui o quanto acho isso fascinante: a capacidade de continuar com o próprio estilo, mas alterá-lo levemente para torna-lo condizente com o personagem, e sua personalidade. Fiquei apaixonado por isso.

E por estarmos falando da escrita, talvez agora seja a hora de citar algo considerado muito polêmico nesse livro: a questão dos palavrões. Sinceramente, e perdoe-me se você que está lendo achou o contrário, eu não entendo o porquê de tanto alarde (isso sendo completamente educado, porque eu queria mesmo era usar a palavra “frescura”) por conta de palavrões. Com toda a sinceridade: só porque a autora passou dez anos escrevendo literatura infantil ela não tem o direito de amadurecer sua forma de escrita? Morte Súbita é um livro adulto, e as partes em que continham palavrões necessitavam dos palavrões pelos traços dos personagens que a autora planejou e criou. Acho, honestamente, desnecessária e até ridícula toda a crítica com relação ao palavreado por vezes chulo da autora, na obra. Isso de forma alguma desmerece a qualidade da escrita. Pelo contrário: torna-a mais fidedigna e completa. Eu digo sem sombra de dúvidas que personagens como Krystal Weedon, Terri Weedon e alguns outros que enunciam o tão polêmico palavreado não teriam tido a profundidade e convencimento que tiveram/apresentaram se alguns caralhos e porras não houvessem sido escritos. É preciso, sim, analisar o contexto do personagem, entender o porquê, emocional, psicológica e até geograficamente aquele ser disse o que foi dito, seja de forma chula, seja de forma pseudocorreta. Dessa forma, sim, será entendido os motivos, e compreendida a autora e sua criação. (No entanto, honestamente, acredito que é preciso um pouco menos de falso moralismo, também)

E, já que foi dita a palavra “polêmico”, é necessário dizer, também, que Morte Súbita é um livro extremamente polêmico pela pluralidade de assuntos que se propôs a trabalhar. Pedofilia, transtornos mentais, bullying, ambição, ciúmes, homoafetividade (de forma singela, mas satisfatoriamente trabalhada do ângulo que foi proposta), inescrupulosidade, traição, e inúmeros, inúmeros, inúmeros outros que, infelizmente, não tive a ideia de listar para aqui escrever: os mais diversos assuntos são incrivelmente trabalhados, descritos e pontuados, sejam dentro das várias subtramas, sejam na trama principal, e de uma forma franca e madura, sem que o livro se pareça com um drama mexicano. E, para os despreparados de plantão – como eu fui pego de surpresa –, às vezes a franqueza da autora é digna de uma tapa na cara justamente pelo nível de introspecção e profundidade psicológica com que se propõe a trabalhar alguns personagens e pontos do enredo. Eu destacaria, sem sombra de dúvida alguma, Bola/Stuart, Sukhvinder Jawanda e Krystal Weedon como perfeitos, perfeitos exemplos do que acabei de dizer. São personagens chocantes, em seus próprios jeitos, em suas singularidades. Como a maioria, na verdade.

O que consigo perceber, aqui, depois de tudo o que foi dito, e lembrando-me das inúmeras críticas e resenhas lidas/ouvidas, é que Morte Súbita é aquele tipo de livro que ou você gosta profundamente e se encasqueta por lê-lo e descobri-lo, ou você logo se cansa e desiste. É claro que foi um livro muitas vezes mal entendido e julgado de forma errada por muitas pessoas, mas eu consigo compreender o que realmente pôde incomodá-las. Na verdade, isso, pra mim, faz o livro parece ainda mais intenso e bom: não seria uma coisa qualquer que causaria tamanho furor como o primeiro livro adulto de Rowling causou. E essa é uma das provas de que é um livro que precisa ser lido – e mais: que precisa se tornar um clássico moderno.

Eu ri, chorei, enfureci (muitas vezes no telefone, trêmulo, com minha amiga Mayara no telefone, que havia lido antes de mim e dividiu comigo todos os sentimentos e sensações durante a leitura) e senti muitas outras coisas lendo Morte Súbita. Foi um livro que me proporcionou uma quantidade e intensidade de sensações que eu só havia experimentado antes com poucos livros, e isso o tornou, para mim, uma leitura inesquecível. Inesquecível. Eu realmente sou outro depois que li Morte Súbita, assim como fui outro quando li Comer Rezar Amar de Elizabeth Gilbert (livro que gabo sempre por ser meu livro favorito), e também como acontecia quando terminava de ler cada um dos livros do bruxinho Harry Potter.

Estou percebendo agora que talvez esse seja o trabalho de J. K. Rowling na minha vida: me transformar. Me amadurecer. E me enriquecer. E, mais uma vez, depois de outras sete, ela conseguiu.


Você tem algo a acrescentar? Alguma crítica a fazer? Discorda, concorda com o quê? Deixe nos comentários!

10 comentários:

  1. Concordo com a sua resenha! Eu demorei para comprar o livro também e isso fez com que todos os primeiros comentários fossem meio que apagados da minha mente quando eu li. Eu gostei muito do livro, da narrativa, dos personagens, do enredo e como você disse, tudo é muito bem planejado e bem escrito. Acho que é essencial para gostar do livro é separar de Harry Potter e apreciar Morte Súbita pelo que ele é. Gostei da forma como a autora abordou os assuntos mais polêmicos e eu gostei que ela abordou tudo isso, tornou a história mais envolvente e importante.

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  2. Ei Breno!
    Nunca li esse livro e mesmo tendo visto várias vezes nas livrarias, nunca tive vontade de ler. Até ler a sua resenha. Acho que esse tipo de comentário meu vai se tornar frequente por aqui. hahaha Sério, você trata de vários livros com uma paixão que é impossível não sentir vontade de apreciar a leitura. A única coisa que eu sabia desse livro, é que era a mesma autora do Harry Potter, só isso. Não sabia que envolvia assuntos polêmicos no livro, eu realmente não tinha chegado a ver nada sobre ele. rs' Parece ser um livro bem interessante. Sobre os palavrões, gostei da sua opinião a respeito, também penso basicamente da mesma forma. A autora empresta uma linguagem própria para cada personagem e é preciso deixar que ele viva de forma íntegra, sem prender o vocabulário que ele quer expressar. Muitas vezes o não uso do palavrão acaba expressando uma coisa muito menor do que de fato seria com o palavrão. Não que ele cause algo grandioso e super bacana, mas ele indica geralmente um sentimento mais forte, algo mais intenso do momento, justamente por ser uma "palavra proibida". Então se foi dita, não foi propositalmente, de caso pensado, mas algo que simplesmente saiu de um dado momento mais forte. Não sei se consegui me expressar direito, mas enfim.
    Novamente adorei sua resenha! (:
    Ah! E eu não sei se você gosta de TAGs, mas eu te indiquei em uma lá no meu blog. Geralmente eu indico "faça quem quiser", mas ela é sobre livros e eu achei super a sua cara. Espero que goste. :)
    Beijos e até a próxima!

    http://perolairregulaar.blogspot.com.br

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  3. Uau, que resenha!
    A J.K. é mesmo capaz de operar mudanças em nossas vidas, aliás, os livros de uma menaiera geral. Já aprendi tanto com eles, coisas que vão muito além da teoria! Eu adoro a série HP (quem não gosta?), a autora escreve tão bem <3.
    Mas confesso que não tenho vontade de ler esse livro, mesmo depois de seus milhares de comentários. Sei lá, sinto que ele não é pra mim como HP foi!

    memorias-de-leitura.blogspot.com

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  4. Até que fim alguem que gostou desse livro tanto quanto eu. Quando soube que J.K ia lançar um livro adulto fiquei com um pé atras, embora HP seja magnifico, é uma série infanto-juvenil, a narrativa é mais fluida, simples, diferente de um livro adulto que tem um aprofundamento maior e tudo mais. Li Morte Subita e confesso que no começo foi um pouco massante, muitos personagens e núcleos para se apresentar e como tenho TDA fica um pouco complicado decorar tudo, mas depois que sabia quem é que e peguei o ritmo da historia, me encantei com o livro, foi ai que realmente percebi que o sucesso de HP não foi pura sorte, e sim realmente por conta da competência da JK, ela conseguiu escrever uma historia com um aprofundamento enorme e personagens quase palpáveis, lembro que enquanto lia o livro me sentia como um morador de Pagford que tinha que decidir em que votar no conselho, é uma pena que poucas pessoas vejam a grandiosidade dessa historia. Também Concordo com vc sobre os palavrões, eles só ajudam a dar mais realismo pro livro, é difícil alguém ficar um dia inteiro sem falar um foda-se se quer. Enfim, adorei o seu modo de escrever a resenha, me deu uma vontade enorme de pegar o livro e le-lo novamente.

    Abraços
    http://des-construindooverbo.blogspot.com.br

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  5. Nossa que resenha.
    Não li nem um livro dela até hoje hahahaha, mas quero muito ler O Chamado do cuco e Morte súbita e pelo que vi em sua resenha vou adorar, pois sempre gosto (ou até prefiro) livro que me acrescentam algo em minha vida.

    Beijos
    http://fernandabizerra.blogspot.com.br/

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  6. Ei Breno! Nossa, que resenha ótima. Você realmente escreve muito bem e sabe organizar suas idéias de forma espetacular. Não estava com vontade de ler o livro, mas agora wow. Eu preciso. Estou encantado com seu blog ><
    Seguindo, claro.
    Abraços,
    umviciadoemlivros.blogspot.com

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  7. Ai, ai, chuchu... você só resenhou o livro que desejo na minha estante desde 2012... acho que vou roubá-lo para mim hhahahaha. Mentirinha
    Amei sua resenha, bem estruturada e com opiniões fortes! Eu quero muito ler esse livro e tirar minhas próprias opiniões, porque metade dos meus amigos que leram, não gostaram e a outra metade que leu, gostou! Estou confusa com meus sentimentos kk

    Parabéns pelo blog e muuuuuuuito sucesso!! ^^

    Beijocas ♥
    http://des-construindooverbo.blogspot.com.br/

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  8. Ótima sua resenha!!!
    Comprei esse livro na black friday pois estava muito barato mas confesso que ainda não li pq tenho medo de não gostar ou de nem conseguir ler...
    Mas vou tentar :)

    http://foreverabookaholic.blogspot.com.br

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  9. UAU Breno, que resenha!
    Acompanhei todo esse auê e confusão pela J.K ter escrito algo mais 'adulto' e de fato, houve muita polêmica pela questão dos palavrões. Até considero desnecessário tudo isso, todos tinham uma visão muito "HP" da Rowling.
    Minha irmã já leu e gostou bastante, acredito que tenhamos que ir sem expectativas com esse livro, ou no mínimo, não esperar a mesma coisa que foi Harry Potter, pois vi muita gente, MUITA mesmo dizendo que esperava algo similar. Fiquei tipo, what?

    Beijão!

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  10. Eu ganhei Morte Súbita assim que lançou, mas até hoje protelo na leitura dele, não sei por que. Pode ser que eu tenha um apreço tão grande pela J.K. por causa de Harry Potter, que isso me cause um medo insano de me decepcionar com algo da autora que me fez começar a gostar de literatura... HAAH
    Mas um dia ainda darei uma chance!

    http://livrologias.blogspot.com.br/

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